Menina e moça
Nem o facto de lembrar (às vezes, muito) outros filmes sobre a adolescência retira o charme a "LADY BIRD", promissora estreia na realização de Greta Gerwig bem defendida por Saoirse Ronan.
Greta Gerwig não se tem dado nada mal com a sua primeira experiência a solo atrás das câmaras, depois de se ter aventurado na realização ao lado de Joe Swanberg em "Nights and Weekends" (2008). Apesar de as suas cinco nomeações para os Óscares não terem levado a nenhuma vitória, nem por isso "LADY BIRD" deixou de ser dos filmes mais elogiados do outro lado do Atlântico nos últimos meses, com uma aclamação praticamente consensual.
Por outro lado, esse deslumbre quase generalizado também pode fazer com que esta comédia dramática modesta gere alguma desilusão, já que o resultado, embora estimável, acaba por estar uns furos abaixo do hype. No fundo, Gerwig não traz nada de especialmente novo ao já muito percorrido território de histórias coming of age, frutífero para muito cinema independente norte-americano mas também tão repisado que muitos dos seus caminhos se tornaram familiares.
"LADY BIRD" está longe de devolver grande rasgo a esses domínios, o que não quer dizer que não conquiste o seu espaço por mérito próprio. E o espaço é, aliás, um elemento determinante neste relato do quotidiano de uma adolescente em Pasadena, na Califórnia, a pacata cidade natal de Gerwig e a primeira pista para sugestões de autobiografia mais ou menos camuflada. A realizadora e argumentista, até aqui mais conhecida como actriz, diz que não, ainda que reconheça o "fundo de verdade" que passa pelo filme e que está entre os seus aspectos mais conseguidos.
A atenção aos pormenores faz com que as linhas que guiam esta história nem pareçam tão formatadas como o são de facto, pelo menos para quem já tenha visto outros retratos da adolescência no feminino - de "Ghost World - Mundo Fantasma", de Terry Zwigoff , a "Juno", de Jason Reitman, passando pelos menos vistos mas não menos interessantes "Appropriate Behaviour", de Desiree Akhavan , ou o recente "No Limiar dos 18", de Kelly Fremon Craig.
Nem sequer falta aqui a protagonista teimosa, egocêntrica, insolente e muitas vezes exasperante, que aos poucos começa a aceitar outras visões do mundo enquanto reconsidera a sua. "LADY BIRD", no entanto, distingue-se ao dar também um considerável tempo de antena à mãe, e do contraste de temperamentos entre as duas nascem alguns dos momentos mais fortes do filme. Claro que ajuda ter as óptimas Saoirse Ronan e Laurie Metcalf nesses papéis, a liderar um elenco sem falhas, mas Gerwig sabe encaminhá-las num novelo de ironia, angústia e doçura, sem que o tom seja demasiado espertinho ou açucarado.
Ambientada em 2002, a acção está devidamente contextualizada (da banda sonora com Alanis Morissette ou Dave Matthews Band ao zapping pela guerra no Iraque) mas não sobrecarregada de detalhes de época mais ou menos nostálgicos, e aí "LADY BIRD" sai a ganhar a outras histórias da adolescência recentes centradas nos anos 80 ou 90 e reféns da devoção ao zeitgeist (alô, "Stranger Things" ou "Everything Sucks!"). E se muitos dos temas que passam pelo dia a dia da protagonista ainda marcam a agenda de hoje - desemprego, depressão, homossexualidade, clivagens sociais -, o filme nunca se transforma num caldeirão de "questões fracturantes" (alô, "Três Cartazes à Beira da Estrada"), mantendo-se ancorado na personagens e nos seus dilemas e relações.
Esse acerto não disfarça que "LADY BIRD" é uma obra mais consistente do que arrojada, mas ajuda a dar nuances a uma narrativa não tão plana como pode parecer à partida e revela inteligência e sensibilidade no olhar de Gerwig. Já se sabia que tínhamos actriz, agora há uma realizadora e argumentista a seguir...
3/5