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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

O corpo é que paga (mas também aprende)

De "Let Your Body Learn" a "Murderous", não faltaram hinos EBM no concerto dos NITZER EBB no Lisboa Ao Vivo, esta quarta-feira. Caso invulgar de uma banda em forma e ainda imparável, quase 40 anos depois.

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São naturais de Essex, condado britânico onde nasceram também os Depeche Mode, grupo para o qual chegaram a abrir concertos. E se a sua música não anda longe de algumas fases da banda de Dave Gahan, acabou por ter influência mais pronunciada em gente que vai dos Nine Inch Nails aos Presets, passando pelos Rammstein ou Light Asylum. Ao contrário de alguns destes nomes, os NITZER EBB nunca chegaram a fenómeno de visibilidade global (apesar de uma fase de maior popularidade em finais dos anos 80), mas continuam a ser um segredo bem guardado com devoção por muitos.

De volta aos palcos para uma digressão europeia (especialmente bem sucedida em palcos de várias cidades alemãs), o quarteto regressou a Portugal depois de uma passagem pelo Festival Vilar de Mouros, este Verão. A nova visita, inicialmente dupla, acabou reduzida à capital depois de a data no Porto (esta quinta-feira) ter sido cancelada. E se mesmo em Lisboa a lotação não esgotou, houve ainda assim uma sala bem composta e pronta a render-se à marcha de sintetizadores de uns dos ícones da EBM (electronic body music, fusão pulsante da synth pop mais negra e do industrial).

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"Move that body", ordem repetida em "Once You Say", poderia ter sido replicada em todas as outras canções ao longo de pouco mais de uma hora. Não que tenha sido necessário, tendo em conta que a grande maioria do público acabou por aderir sem reservas aos ritmos imponentes de um espectáculo coeso, assente numa música directa ao corpo enquanto viaja por estados de alma conturbados. Os títulos de algumas canções não enganam: do arranque, com "Blood Money", ao final, a cargo de uma potentíssima "Murderous", o ambiente manteve-se caótico e frenético.

Poderá acusar-se dos NITZER EBB de não serem uma banda particularmente multifacetada, mas será difícil negar a eficácia do seu desempenho no campeonato a que se propuseram desde 1982 (seguindo os passos pioneiros de uns DAF, Cabaret Voltaire ou Throbbing Gristle). A actuação lisboeta foi uma boa montra desse percurso, quase sempre no formato best of, com uma sucessão imbatível de clássicos do género. O grupo apresentou-os com a garra esperada, sobretudo o vocalista principal, Douglas McCarthy, vestido de negro e com óculos de sol que nunca tirou enquanto se movimentou constantemente por todo o palco. Mas os momentos mais efusivos surgiram quando Bon Harris deixou as programações e a bateria electrónica (à qual se dedicou com um entusiasmo adolescente) para se juntar a ele, dividindo o protagonismo vocal e cénico - primeiro em "Hearts and Minds", no primeiro pico de intensidade, e depois em "Join In the Chant", com uma sala já visivelmente rendida e com resposta física à altura.

As batidas agressivas, às vezes com um embalo quase techno, só deram tréguas em "Come Alive", episódio atmosférico, tão sedutor como sinuoso, no qual McCarthy cantou em vez de gritar palavras de ordem. O tom, ofegante, reforçou a carga sexual e fetichista de parte da música do grupo, também vincada em "Lightning Man" ("Baby, come to daddy", repetiu o vocalista com samples de sopros numa incursão jazzy q.b.) ou nos breves momentos em que o mestre de cerimónias se insinuou ao dançar muito perto dos colegas.

Petardos como "Shame" ou "Control I'm Here" ajudaram a moldar um espectáculo em crescendo, com o alinhamento a privilegiar "That Total Age" (1987) e "Belief" (1989), os dois primeiros álbuns da banda e também os mais influentes. Mas este não será um caso de nostalgia quando a música dos NITZER EBB continua tão vibrante, em especial no formato ao vivo, capaz de entregar um encore explosivo numa "Alarm" a cargo dos rugidos de Simon Granger - que tinha passado todo o concerto em pose recatada nas programações, partilhadas com Harris e David Gooday. Décadas depois dessas primeiras canções e discos, o corpo não fica indiferente ao apelo rítmico dos britânicos.

4/5