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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

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O princípio da incerteza

Onde está a verdade?  "ANATOMIA DE UMA QUEDA" não tem a presunção de tentar responder enquanto cruza perspectivas, pistas e géneros na investigação de um possível crime. Certo é que se trata de um triunfo de Justine Triet, a oferecer aqui um dos melhores (e mais justamente premiados) filmes de 2024.

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Vencedora da Palma de Ouro em Cannes, galardoada com o Óscar de Melhor Argumento Original (embora merecesse muitos mais, incluindo o de Melhor Filme), êxito de bilheteira insperado em França, a mais recente obra de Justine Triet foi um passo em frente incontornável depois de títulos mais discretos como "Victoria" (2016) ou "Sybil" (2019). Tão grande que atirou a francesa para a lista de realizadores europeus mais celebrados do momento, mérito de uma combinação hábil e metódica de drama conjugal, filme de tribunal, thriller psicológico e investigação criminal.

Homicídio ou suicídio? Essa é a pergunta que nunca abandona o espectador nem as personagens a partir do momento em que o marido da protagonista, uma escritora alemã, é encontrado morto no chalet da sua família nos Alpes franceses. Mas o que poderia perfilar-se como um mero "whodunit" vai ganhando contornos de ensaio sobre as ambiguidades da natureza humana a partir da crónica (assumidamente parcial e subjectiva) de um casamento tão fracassado como escrutinado. E à questão sobre a inocência ou culpa de uma mulher associam-se outros contrastes - os da esfera pública e privada, do real e da ficção, dos factos e suposições, num novelo narrativo absorvente e a ganhar fôlego de um grande romance.

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Escrito a meias por Triet e pelo seu companheiro, o também realizador (e actor) Arthur Harari - opção curiosa quando a trama se debruça sobre um casal de autores -, "ANATOMIA DE UMA QUEDA" é um prodígio de argumento com correspondência visual e interpretativa, e não parece deixar nenhum pormenor ao acaso num casamento visto à lupa. Dos flashbacks estratégicos, também eles desafios à percepção (e um a deixar uma discussão de antologia, entre fricções e ressentimentos), ao peso de cada palavra (com alternâncias de idiomas pelo meio), passando pela direcção de actores, este retrato mantém-se estimulante ao longo das suas duas horas e meia.

Mas se Triet merece aplausos, Sandra Hüller é outra grande responsável para que este seja um filme de recorte superior. A forma como a actriz alemã encarna uma protagonista enigmática e indecifrável, reservada e decidida a nunca pedinchar a simpatia das outras personagens ou do espectador, por muito apertados que sejam os julgamentos (da Justiça, dos media, da comunidade), revela-se decisiva para que "ANATOMIA DE UMA QUEDA" equilibre tão bem o cerebral e o emocional.

Também a justificar menção obrigatória, o lusodescendente Milo Machado-Graner é um achado como filho do casal, um pré-adolescente quase cego particularmente abalado pelo acontecimento trágico. A acompanhá-lo, o fiel cão Messi ("Palm Dog Award" em Cannes) protagoniza uma das cenas mais tensas, outro exemplo de que Triet sabe ir para territórios inesperados num filme à primeira vista formatado. E se algumas sequências de tribunal talvez acusem a duração e acabem por ceder a opções convencionais, esse será o mal menor(íssimo) de uma das estreias imperdíveis do ano.

4/5