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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

"Only pain is real"? Não para quem esteve neste concerto

Foto @Rita Sousa Vieira/SAPO On The Hop

 

Se a ideia era voltar atrás no tempo, o concerto dos Silence 4 na MEO Arena, neste sábado, começou mesmo pelo princípio. Não necessariamente pelo princípio da banda de Leiria, mas pela canção responsável por boa parte do seu sucesso: "A Little Respect", emotiva versão do tema dos Erasure que se tornaria num dos trunfos de "Silence Becomes It", em 1998.

Não por acaso, as primeiras recordações da actuação saíram todas do álbum de estreia: "Old Letters", "Dying Young" e, claro, "Borrow" foram acolhidas (e entoadas) pelos 18 mil fãs presentes na sala lisboeta num arranque com mais entusiasmo do que surpresas. Mas estas acabariam por chegar com "Sextos Sentidos", quando Sérgio Godinho subiu a palco para repetir aí a colaboração gravada em disco, momento que passou a correr entre os aplausos da sua entrada e saída.

 

Felizmente, os Silence 4 também deram conta do recado quando voltaram a ficar entregues a si próprios (ou quase, já que contaram com um teclista). A benção do cantor de "Com Um Brilhozinho Nos Olhos" foi o arranque a sério para um concerto até aí a jogar pelo seguro, mas que ganhou novo fôlego logo a seguir com a urgência de "My Friends".

O grande peixe do lado esquerdo do palco deixou de ser o elemento cénico mais forte quando um carro suspenso desceu do lado direito, pronto a servir de apoio para um David Fonseca exaltante e munido de um megafone. As lições apreendidas no seu percurso a solo terão contribuído para as variações visuais que o concerto reforçou a partir daqui, mesmo que a música tenha sido sempre a prioridade (as canções dos Silence 4 nunca precisaram de muletas espalhafatosas e o espectáculo de despedida não foi excepção).

 

Um ecrã vertical no centro do palco deu outra cor a "Empty Happy Song" ou "Where Are You?" e recordou o videoclip de "To Give" (single a convocar luzinhas de telemóveis por todo o público, update dos isqueiros de outros tempos) enquanto que um farol gigante com uma lua cheia atrás foi um bonito cenário para "Sleepwalking Convict" (com direito a loop de cordas mais longo do que no disco, desfecho perfeito antes do primeiro encore).

 

 

Também mais evidente depois da primeira meia dúzia de temas foi o papel de Sofia Lisboa, a instigadora deste regresso temporário do grupo, bem mais confortável em palco do que nas lembranças que tinha deixado. A declaração antes de "Angel Song", tema que a cantora julgou não voltar a interpretar quando enfrentou uma leucemia, foi tão comovente como "Eu Não Sei Dizer", outro exemplo raro de uma boa canção puxa-lágrima - cantada por Sofia e David num frente a frente capaz de desarmar cínicos (embora poucos se dignem a ir a um concerto dos Silence 4, sobretudo em 2014).

 

Se estes dois temas vincaram uma sintonia inegável entre banda e público, "Ceilings", "Don't II" ou "Not Brave Enough" deixaram claro que a adesão ao segundo álbum, "Only Pain is Real" (2000), foi geralmente mais retraída. A poderosa faixa título, uma das mais eléctricas e explosivas da noite, conta-se entre as poucas excepções, a que não será alheio o facto de ter sido single - e a ecoar, por isso, de forma mais forte num público que será também, na sua maioria, o das "rádios das grandes músicas" (infelizmente, a adesão não contempla o que não cabe nas playlists e obrigou a que os minutos antes da entrada em palco tivessem Bruno Mars, Coldplay ou Evanescence como banda sonora, mais por influência da rádio oficial do evento do que por qualquer ligação destes nomes ao universo dos Silence 4).

 

Por outro lado, foi bom ver que a banda não se rendeu ao óbvio apesar de os seus espectadores terem valorizado mais o reconhecível do que o inesperado. O primeiro de três encores abandonou o palco para tomar de assalto o centro da plateia, na aproximação possível ao ambiente (e aos dias) da sala de ensaios, como David salientou.

 

Foto @Rita Sousa Vieira/ SAPO On The Hop

 

Algumas canções dos primeiros tempos, não incluídas no disco de estreia mas recordadas na caixa "Songbook 2014", foram a base desta variação minimalista e confessional que teve o momento mais eufórico quando a irmã (e dadora de medula) de Sofia foi homenageada com uma versão acústica de "Invisible", dos Muse, subindo a palco no final. Musicalmente, não foi dos episódios mais fascinantes, embora a cena, a terminar em abraços, tenha sido "um momento de grande emoção", como disparou David, com um humor certeiro a cortar qualquer arraste meloso. Enquanto os vocalistas tagarelaram, o guitarrista Rui Costa e o baterista Tozé Pedrosa mantiveram-se, literalmente, na pele dos Silence 2 - o primeiro, no entanto, visivelmente emocionado ao longo de todo o concerto.

 

Sem o mesmo arrojo, tanto na cenografia como no alinhamento, os dois últimos encores trouxeram a vertente mais populista destas duas horas e meia. Não logo no arranque, a cargo de uma estupenda "Search Me Not" a confirmar o desinteresse quase generalizado por "Only Pain is Real" (tirando, lá está, os dois singles), mas com as quatro canções despachadas depois de uma "Breeders" em modo mais agreste.

"Borrow", "My Friends", "A Little Respect" e "Angel Song", repetições óbvias apresentadas de forma óbvia, foram no entanto os momentos de eleição para grande parte da sala - os gritos, beijos, abraços, lágrimas, fotografias, saltos, braços no ar e olhares cúmplices não deixaram dúvidas. Mas quem quiser guardar uma despedida mais fiel aos Silence 4 das "pequenas" músicas pode sempre recuar uns vinte minutos e ficar-se por "Goodbye Tomorrow", a primeira canção gerada pela banda (e faixa de abertura de "Silence Becomes It"), que terminou o encore no espaço de ensaios improvisado e provou, depois de muitos anos, que a maior sala de espectáculos lisboeta também pode ser intimista.

 

Nota: melhor do que um grande concerto (que não vive só da nostalgia) é um grande concerto em que a banda doa 30 mil euros a uma instituição como a Liga Portuguesa Contra o Cancro.