Os dias de cão não acabaram
Como é que uma mãe solteira da classe trabalhadora lida com a precariedade económica e um novelo de dificuldades? "RAIN DOGS", a nova série britânica da HBO Max, tenta responder com uma mistura de comédia desbocada e drama avesso ao miserabilismo.
Co-produção entre a HBO e a BBC One, "RAIN DOGS" pede emprestado o título a um tema e um álbum de Tom Waits para retratar o quotidiano desamparado, ou quase, de uma mulher dos subúrbios londrinos.
Aspirante a escritora mas a viver de biscates num clube de strip e de sessões politicamente incorrectas como modelo de pintura de nus, Costello, a protagonista desta série de oito capítulos, tem a seu cargo a filha de 10 anos, Iris, mas é legítimo que o espectador assuma que será por pouco tempo. A dupla é despejada do seu apartamento no primeiro episódio e tem como único aliado financeiro Selby, um homossexual de famílias abastadas e de temperamento difícil, acabado de sair da prisão.
Se o futuro parece incerto, Costello não se deixa abater facilmente e essa resiliência conduz uma história em que os obstáculos sucessivos não impedem que o humor vá impondo o seu espaço.
É um equilíbrio difícil, este, embora gerido com eficácia nesta criação de Cash Carraway, autora do bestseller "Skint Estate", livro baseado numa jornada pessoal que começou na pobreza. A escritora e dramaturga londrina garante que o seu primeiro trabalho em televisão não é autobiográfico, embora tenha muito do que já observou, e essa experiência talvez ajude a perceber porque é que "RAIN DOGS", não querendo afirmar-se como exemplo de realismo britânico, tenha muito de convincente.
Valendo-se da postura desbocada de Costello e Selby, novo duo ele e ela que promete marcar o ano televisivo, a série não deixa, para já, que as dificuldades afundem as personagens num desespero sem fim à vista, como acontece em alguns dramas sobre a classe trabalhadora que não resistem a tentações de miserabilismo (armadilha que limita "Great Yarmouth: Provisional Figures", o novo filme de Marco Martins, em cartaz, também ele a mergulhar numa realidade britânica pouco documentada).
Entre diálogos e piadas sem grande filtro (que incluem cenários de abuso sexual) e um argumento do lado das personagens sem ignorar as suas falhas, parece estar aqui um muito curioso relato de uma família longe de tradicional e assumidamente disfuncional. Daisy May Cooper e Jack Farthing, nos papéis principais, são decisivos para a boa primeira impressão, e a pequena Fleur Tashjian surge confiante no seu primeiro papel. Uma série com potencial para conquistar quem incluiu "Somebody Somewhere" (também da HBO) entre as boas surpresas do ano passado.
Os três primeiros episódios de "RAIN DOGS" estão disponíveis na HBO Max. A plataforma estreia novos capítulos todas as terças-feiras.