Pequenos crimes entre amigos (numa reserva indígena)
O título é uma referência óbvia a um dos clássicos de Tarantino, mas "RESERVATION DOGS" está longe de ser mais um sucedâneo ou imitação desse universo. Estreada este mês no Disney+, a série criada por Sterlin Harjo e Taika Waititi traz alguma da comédia mais refrescante (e às vezes tocante) do momento.
Quatro adolescentes de uma reserva indígena do Oklahoma passam os dias entretidos com pequenos roubos, a forma possível de arranjarem dinheiro que lhes permita sair dali para a Califórnia. O sonho americano já não é o que era e uma comunidade marginalizada tem essa noção bem presente, mas "RESERVATION DOGS" prefere a comédia ao realismo social para ir fazendo o seu retrato crítico q.b. de um grupo de amigos e dos que o rodeiam, em tom caloroso e despojado.
"Cães Danados", de Quentin Tarantino, tem eco directo não só no título desta nova série do FX (estreada nos EUA através da Hulu e em Portugal pelo Disney+) mas também numa cena do primeiro episódio (a da foto acima) e nos adereços do quarto do protagonista (através de um poster com grande destaque). Só que as comparações com esse filme, e com a obra do norte-americano em geral, ficam mesmo por aí: os cenários, personagens, dilemas e situações da série inspiram-se nas experiências de Sterlin Harjo, realizador indígena que seleccionou uma equipa quase inteiramente da sua etnia para esta aposta, do elenco aos argumentistas, da realização à produção. O neozelandês Taika Waititi será uma das raras excepções e traz a esta história a irreverência pela qual se tem notabilizado (em "O que Fazemos nas Sombras" ou "Thor: Ragnarok"), embora esteja aqui mais controlada - e ainda bem.
Filmada no Oklahoma rural, "RESERVATION DOGS" arranca de forma escorreita, com episódios curtos (cerca de meia-hora), e não demora a cativar graças à espontaneidade do jovem quarteto protagonista e dos secundários que vão surgindo nos três capítulos já estreados por cá. De uma dupla insólita de rappers gémeos a um médico sem noção, de uma recepcionista desbocada a um tio quase ermita, há aqui uma galeria de figuras que contribui muito para um olhar idiossincrático e para a sucessão de vinhetas que vai moldando um estudo de personagens (e de comunidade) conseguido.
Embora haja muitas menções ao "homem branco", raramente pelos melhores motivos, a série evita o panfleto de denúncia da exclusão ou da xenofobia e dá prioridade à jornada coming of age do seu grupo de anti-heróis, ladrões com coração que acabam por tentar salvar a reserva de uma suposta ameaça rival.
Entre acessos de surrealismo (há uma aparição recorrente que lembra a de "Jojo Rabbit", também de Waititi) e uma melancolia nada forçada (quando são mencionadas as mortes de um amigo ou de entes queridos dos protagonistas), é difícil não simpatizar com um arranque tão sensível como espirituoso, capaz de ir falando de coisas sérias sem grandes pretensões. E "RESERVATION DOGS" chega cá com notícias encorajadoras: além dos oito episódios da primeira temporada, há mais a caminho, uma vez que a segunda época já foi confirmada.
Os primeiros três episódios de "RESERVATION DOGS" estão disponíveis no Disney+ desde 13 de Outubro. A plataforma de streaming estreia novos episódios todas as quartas-feiras.