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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

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Prazer culpado? Viola Davis prova que não

HOW TO GET AWAY WITH MURDER - Annalise Keating (Academy-Award Nominee Viola Davis) is everything you hope your Criminal Law professor will be - brilliant, passionate, creative and charismatic. She's also everything you don't expect - sexy, glamorous, unpr

 

Dificilmente se encontram formatos de séries mais rotineiros e cansativos do que as de advogados. As propostas de investigação criminal não andarão muito atrás. Mas isso não impede "COMO DEFENDER UM ASSASSINO" de juntar elementos de ambas pela mão de Shonda Rhimes, a criadora de "Anatomia de Grey" e "Scandal" que tem agora a função de produtora executiva nesta aposta do canal ABC (transmitida em Portugal pelo AXN).

 

Se é verdade que a interminável série hospitalar e o seu spin-off, "Clínica Privada", davam razões para ficar de pé atrás em relação a esta entrada no universo jurídico, a combinação de drama e thriller é bem mais ácida e irrequieta do que a teia amorosa/melosa vivida por Meredith Grey e colegas. "COMO DEFENDER UM ASSASSINO" foi criada por Peter Falk, argumentista, produtor e colaborador habitual de Rhimes, e isso ajudará a explicar porque é que o tom destes primeiros episódios não anda longe do atrevimento à beira (ou para lá) do camp de "Scandal".

 

Também à semelhança dessa produção centrada nos bastidores da Casa Branca, aqui a protagonista é uma mulher negra e determinada, características que se aplicam ainda à sua produtora executiva, que tem dado cartas na televisão norte-americana enquanto contribuiu para reforçar a visibilidade das minorias em horário nobre. E nem sempre de forma muito subtil, comprovável em ocasionais diálogos com farpas sobre a forma como as mulheres, os negros ou os homossexuais são tratados ou representados (a série nem evita, aliás, uma cena de sexo gay logo no primeiro episódio, menos gratuita do que algumas reacções fariam supor).

 

HOW TO GET AWAY WITH MURDER - "Kill Me, Kill Me, Kill Me" - It's the evening of the bonfire and we finally see what exactly happened on the night of Sam's death, on the winter finale of "How to Get Away with Murder," THURSDAY NOVEMBER 20 (10:00-11:00 p.m.

 

Mas apartes como esses, mais engajados, nunca travam as investigações delirantes comandadas por Annalise Keating, uma respeitada advogada de defesa, e postas em prática por cinco dos seus alunos universitários. Viola Davis, na pele da protagonista, tem sido o nome mais falado do elenco e não é para menos. A sua personagem, inicialmente caracterizada como autoritária e destemida, vai-se revelando mais complexa e ambígua nas cenas fora da sala de aula, a milhas de qualquer estereótipo e com direito a composição à altura por uma actriz em estado de graça (a mostrar o que vale quando o cinema nem sempre a deixa, como numa tremenda cena em frente ao espelho do quarto, na qual desfaz a máscara e encara o envelhecimento e a crise conjugal).  

 

Uma protagonista e um desempenho destes elevam qualquer série, embora também se arrisquem a eclipsar tudo o resto. Felizmente, "COMO DEFENDER UM ASSASSINO" tem outros méritos além do mais óbvio e consensual. Tal como demasiadas propostas criminais, esta não consegue evitar o caso da semana, mas a fórmula de procedural não só é mais intrigante do que a de muita concorrência como surge entrecruzada por dois homicídios cujo mistério percorre toda a temporada. E aí o primeiro episódio entra logo a matar, com saltos temporais centrados em situações-chave que vão sendo aprofundadas nos seguintes e fazem com que a acção, inicialmente algo confusa, não demore muito a tornar-se viciante.

 

O resultado não será a série mais verosímil do mundo, é certo. E às vezes há tanta informação disparada que é difícil digerir tudo, até porque o ritmo raramente desacelera. Mas até agora (já no mid-season finale), a narrativa não tem traído as suas próprias regras, alucinantes q.b., nem as suas personagens, com secundários que foram passando do traço grosso inicial para figuras de corpo inteiro, ou pelo menos a caminho isso (a opção de dedicar cada episódio a uma delas ajuda). A progressão da dinâmica dos cinco alunos, da competição ao espírito de entreajuda forçado, sai reforçada pelos diálogos inspirados, espirituosos e/ou venenosos. A gestão dos cliffhangers não dá tréguas e a banda sonora (a juntar IAMX, Liars, The Presets, Hot Chip, The Faint, M83 e outros nomes da nata da electrónica actual) é perfeita para embalar a experiência. O veredicto? Diversão garantida, bem confeccionada e com mais zonas de sombra do que parece à partida.