Quando a segunda estadia é (ainda) melhor do que a primeira
Depois do Havai, a Sicília acolhe a segunda temporada de "THE WHITE LOTUS", mas mais uma vez o cenário paradisíaco revela-se enganador na série de antologia da HBO Max. Uma das melhores do ano, com Mike White a apurar a sua mistura apetitosa de farsa e tragédia.
A proposta é uma comédia, mas o final reserva uma tragédia, anuncia a segunda temporada de "THE WHITE LOTUS" logo no arranque. Isso já acontecia, aliás, na primeira época da série criada, escrita e realizada por Mike White (autor de "Enlightened" e argumentista de "Freaks and Geeks" ou "Escola de Rock") sem que estes sete novos episódios se desenvolvam em função das mortes (desta vez há várias) e da identidade das vítimas (pelo menos uma será do elenco principal).
Claro que a ânsia por essa revelação se mantém ao acompanharmos as histórias cruzadas de turistas e funcionários de um hotel italiano, sendo reforçada num último capítulo que dilata, durante mais de uma hora, a sensação de perigo iminente. Mas White não quer limitar-se a uma narrativa de A a B, apurando a precisão e ambiguidade de uma comédia dramática que na primeira temporada lançava farpas aos problemas de primeiro mundo. Na segunda, o norte-americano retoma as tensões das clivagens sociais mas dá tanto ou mais peso a outras dinâmicas, das geracionais às conjugais e sexuais, num olhar satírico sobre os privilegiados longe dos simplismos e caricaturas de "O Triângulo da Tristeza", o novo (e decepcionante) filme de Ruben Östlund.
Não desfazendo dos muitos méritos do primeiro volume, o segundo supera-o em praticamente todos os aspectos: coesão narrativa, construção e desenvolvimento de personagens, realização, montagem e banda sonora. White desenha este retrato de forma mais fluída e desenvolta, sem as quebras de ritmo e de tom que se notavam a meio da temporada anterior, e esteticamente aprimora uma linguagem atmosférica e imersiva, conjugando o idílico e o fantasmagórico (não falta música operática ou periclitante nem presságios a cargo da agitação marítima ou dos esgares de figuras de pinturas e estátuas locais).
Também escolhida a dedo, a galeria de hóspedes, elementos do staff do hotel e um par de intrusas locais vai ganhando mais espessura dramática. A excepção será Cameron, a personagem de Theo James, cretino de serviço depois de Jake Lacy na temporada anterior, devidamente compensado pelas de Aubrey Plaza (Harper), Will Sharpe (Ethan) ou revelações preciosas como Meghann Fahy (Daphne) e a italiana Sabrina Impacciatore (Valentina).
Única protagonista a ter direito a regressar, a inimitável (e às vezes inacreditável) Tanya de Jennifer Coolidge é a versão possível de diva italiana - e que por estes dias se tornou rainha das redes sociais. Se muitas tiradas de "THE WHITE LOTUS" são memes óbvios, partem quase sempre desta pobre mulher rica obcecada com a fidelidade do companheiro (Greg, que também está de volta para os primeiros capítulos) e que encontra refúgio em novas companhias na estadia siciliana.
É provável que outras personagens (das que sobreviveram, lá está) também regressem na terceira temporada, já confirmada embora sem data nem destino agendados (White sugeriu que a Ásia pode ser o próximo destino). Mas mesmo que nem todas voltem, na segunda já chegaram a bom porto e ajudaram a torná-la um dos oásis televisivos do ano. Serviço de alta qualidade garantida, este...
4/5