Quando o "ritmo de la noche" é latino e electrónico
Numa altura em que a pop latina dá cartas a nível mundial, JAVIERA MENA está entre os nomes que mais merecem atenção. Sobretudo num palco, como a chilena comprovou em Madrid ao apresentar "Espejo", o seu último álbum.
"Esquemas Juveniles" (2006) começou a projectar a sua voz fora de portas, tornando-a uma das revelações chilenas de inícios do milénio (o lado dos Dënver ou de Gepe) depois de ter feito parte da dupla Prissa. E esse disco de estreia teve entre os fãs os Kings of Convenience, que se entusiasmaram por canções então tendencialmente acústicas e convidaram JAVIERA MENA para assegurar as primeiras partes de alguns concertos. Portugal chegou a ser um dos destinos da digressão, em 2009, com actuações em Lisboa e Braga. Mas não seria má ideia voltar a ouvi-la por cá dez anos e três álbuns depois, quando a cantautora já é uma das maiores certezas da pop latino-americana.
Esse estatuto ficou devidamente comprovado no concerto em Madrid, na Sala Mon Live, a 17 de Maio. Acolhida num espaço bem composto e com um público pronto a celebrar, a chilena apresentou "Espejo" (2018) e revisitou discos anteriores sempre com um grande sentido de espectáculo, numa conjugação fulgurante de música e imagem, com a sua presença e entrega no centro.
Não por acaso, o álbum de estreia foi o único sem direito a revisitações. E embora temas iniciais como "Quando hablamos" ou "Perlas" nao mereçam ficar esquecidos, JAVIERA MENA está hoje bem distante dos ambientes contidos e sussurrantes desses tempos, com a pop outonal de câmara a dar lugar a electropop garrida e tendencialmente agitada. O alinhamento foi mesmo uma carta de amor à música de dança, integrada sem preconceitos no formato canção: num desfile luminoso houve ecos synth-pop, ambientes baleáricos, disco (do space ao italo), Hi-NRG, house ou eurodance. E sem que o resultado se assemelhasse a uma manta de retalhos, mantendo uma fluidez contagiante.
O único desvio ao formato dançável deu-se quando a chilena de 35 anos de sentou ao piano para a balada "Quédate un ratito más" e "Mujer contra mujer", esta última uma versão do tema dos espanhóis Mecano. Entoada por toda a sala, a releitura do single da banda espanhola, de finais da década de 80, ficou como sinal mais evidente do activismo LGBT+ expresso há anos pela cantautora ("Nada tienen de especial/ Dos mujeres que se dan la mano/ El matiz viene después /Cuando lo hacen por debajo del mantel", cantou, acompanhada efusivamente por grande parte do público).
Esse episódio vincou um dos momentos de maior comunhão de uma noite que arrancou logo em alta com "Hasta la Verdad", um dos singles de "Mena" (2010), o segundo álbum da sul-americana e também o mais coeso. Dele ouviu-se ainda a estupenda "Luz de Piedra de Luna", canção-chave na simbiose entre marcas latinas (na letra e voz) e ritmos sintetizados, claramente um dos momentos de passagem obrigatória desta discografia. Servida num encore que deixou o melhor para o fim, foi seguida da outra versão da noite: a de "Ritmo de la Noche", clássico das noites dançantes da alvorada dos 90s que fez todo o sentido numa noite de delírio colectivo.
"Intuición", um dos singles do último disco, mostrou que JAVIERA MENA não é indiferente à expansão do reggaeton, numa viragem estilística que ainda assim não destoou. E esta versatilidade musical foi acompanhada por um apuro visual assinalável, do imaginário cósmico que dominou o ecrã ao fundo do palco nos temas iniciais a cenários intimistas ou futuristas. Mas o maior aparato foi mesmo criado pela cantautora e pelos dois músicos que levou a palco, na bateria e programações, além do piano, sintetizador e guitarra que ficaram a cargo da própria.
Na recta final, a chilena trocaria os instrumentos por um sabre de luz com o qual correu até ao público das primeiras filas, em "Espada", um dos momentos mais calorosos de uma noite que nunca arrefeceu durante quase duas horas. Só é pena que um furacão pop destes não prometa passar por salas portuguesas tão cedo...
4/5