Quem (não) sai aos seus
E agora uma das surpresas musicais da recta final de 2020: "Vacare Adamaré", o álbum de estreia de ARO, que chegou no final de Outubro depois de uma série de singles editados desde 2015.
Quem? Talvez o nome de baptismo da cantautora britânica seja mais esclarecedor: Aimee Osbourne, a filha mais velha de Ozzy e Sharon Osbourne, que ao contrário dos irmãos, Kelly e Jack, conseguiu manter-se relativamente afastada dos holofotes ao longo dos seus 37 anos.
A recusa em participar no reality show "The Osbournes", da MTV, na viragem do milénio, foi um dos sinais de que a então adolescente estava mais interessada em explorar um caminho próprio, e o primeiro longa-duração é um passo bem sucedido. Há pouco ou nada da herança musical do pai (seja nos Black Sabbath ou a solo) num disco que opta antes por influências assumidas do trip-hop - Tricky, Massive Attack e Portishead foram a grande escola de ARO - conjugadas com outras linguagens em evidência nos anos 90 - do rock industrial a cruzamentos de guitarras e electrónica.
"SHARED SOMETHING WITH THE NIGHT", o primeiro single e tema de abertura do álbum, lembra a faceta mais agreste dos esquecidos Furslide ou dos também pouco lembrados Howling Bells. "HOUSE OF LIES", o segundo, envereda pela synth-pop a caminho da pista de dança. E o alinhamento mantém-se entre uma atmosfera tão sinuosa como sedutora, cinematográfica q.b. (em tom noir), traços que não serão estranhos a quem também faz vénia à obra de Kate Bush ou dos Goldfrapp.
Já uma canção como "Beats of My Heart" poderia estar num disco da portuguesa Sequin, enquanto que "Choir Day" e "Gold Thread" elevam a fasquia em dois dos grandes momentos da pop electrónica dos últimos meses - mérito repartido com o co-compositor Jack Dragonetti, dos norte-americanos The Submarines. Bela revelação, esta, e particularmente inesperada.