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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Sexo, drogas e música electrónica

A receita de "SUBURRA" não é nova. O filme de Stefano Sollima não diz nada que não saibamos sobre a promiscuidade entre o poder instituído e o submundo, seja o de Roma ou de outra grande metrópole. Mas nem precisa quando desenha um retrato urbano cinético e vibrante como poucos.

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Até mais do que o filme, a série "Gomorra" já tinha dado a entender que há nova vida para histórias no pequeno ou grande ecrã centradas na máfia e ancoradas na Itália de hoje. Stefano Sollima, um dos realizadores recorrentes da produção televisiva, contribuiu para deixar um cunho cinematográfico num produto que é mais um argumento a favor de quem defende a idade de ouro da televisão (ou da ficção criada para ela) de há uns anos para cá. Na sua segunda longa-metragem, o autor da também elogiada "Romanzo Criminale" volta a insistir em histórias de corrupção e perdição, mudando-se de Nápoles para Roma, em especial para a zona portuária de Óstia.

Na antiguidade, a região que dá nome ao filme não gozava de especial fama, sendo muitas vezes considerada um concentrado de criminalidade, sexo imoral e violência, e o quadro apresentado por Sollima não foge muito a essa herança. Entre ligações perigosas, espirais de matança e traições inevitáveis, há pouco espaço para a redenção entre a galeria de personagens que inclui um político com vida dupla e sangue nas mãos, famílias de narcotraficantes sem grande tolerância para o erro ou mulheres que tanto podem ser vítimas como carrascos.

As poucas figuras que resistem a esta tipologia estão longe de ser imunes a falhas de carácter. Em "SUBURRA" não há santos, só pecadores, ainda que o peso dos pecados seja variável. Que Sollima consiga manter o interesse por protagonistas destes ao longo de duas horas é um feito, embora não propriamente inédito. Afinal, já era assim em "Gomorra" e tal como aí estas personagens mostram sempre um rosto assustadoramente humano, mérito de um elenco de alto calibre, dos principais aos secundários - destaque quase inevitável, ainda assim, para Elio Germano, uma das grandes revelações dos últimos anos, italianas ou não, mais uma vez a recusar repetir-se depois de um desempenho quase insuperável como o de "A Nossa Vida".

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As experiências anteriores de Sollima, muitas assentes em narrativas em mosaico, terão influenciado um filme que se mostra hábil na conjugação de percursos e personagens - que são muitas, mas nenhuma está aqui por acaso. Enquanto vai fazendo a contagem decrescente para um dia apocalíptico, o filme pede tempo e, às vezes, alguma paciência, mas também vai dando recompensas. A banda sonora, por exemplo, a cargo de M83 e a medir forças com uma chuva quase omnipresente enquanto recurso atmosférico. É verdade que a electrónica etérea do francês Anthony Gonzalez chega a ser intrusiva em alguns momentos, mas na maior parte deles é perfeita para o tom tenso e de emoções exacerbadas desta mistura de drama e thriller. E apesar de tudo, o realizador opta - e bem - por a dispensar numa das melhores sequências do filme, com um tiroteio num centro comercial que é uma masterclass para muitos filmes de acção do outro lado do Atlântico.

Se a música contagia, não rouba o peso que Sollima dá às imagens. "SUBURRA" vai deixando algumas na retina, também graças à tremenda fotografia de Paolo Carnera, e embora chege a ameaçar escorregar para o delírio estético, nunca perde a mão da história que tem para contar. Até porque o argumento revela conhecimento de causa, ao adaptar o livro homónimo do juiz Giancarlo De Cataldo e do jornalista de investigação Carlo Bonini. A fina linha que separa a política da máfia, da religião ou da prostituição não surpreenderá muita gente em 2016, mas tem aqui uma variação crua e efervescente, que só esmorece lá para o final, com algumas reviravoltas menos verosímeis. Felizmente, nessa altura o interesse por este universo já está mais do que atiçado e nem sai muito comprometido, o que é uma vantagem quando o filme abre portas para uma série em preparação, agendada para Netflix já em 2017.

3,5/5

 

 

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