Spielberg vai a jogo (e o cinema sai a perder)
Nem divertimento escapista nem reflexão digna de nota: "READY PLAYER ONE: JOGADOR 1" traz a assinatura de Steven Spielberg, mas mal se distingue dos produtos descartáveis de muitos tarefeiros de Hollywood. Desde já, uma das desilusões de 2018...
O problema talvez já venha do livro homónimo de Ernest Cline que o filme adapta, editado em 2011 e promovido a bíblia de muitos devotos da cultura pop em geral e dos videojogos em particular, embora o ponto de partida não sirva de desculpa para o resultado final. "READY PLAYER ONE: JOGADOR 1", na verdade, parece estar mais na linha de alguma ficção científica light e juvenil dos últimos anos - a de sagas como "Os Jogos da Fome" ou "Maze Runner", também com raízes literárias -, do que dos clássicos do autor de "E.T." que inspiraram gerações desde os anos 80.
Não que o filme não tenha ecos dessa década (ou da seguinte, ainda que menos dominantes). É, aliás, um dos exemplos recentes mais descarados de capitalização da nostalgia, com o argumento a ser pouco mais do que um inventário de referências e citações associadas à infância e juventude de muitos dos que cresceram com Spielberg. E se na primeira metade a narrativa ainda consegue ir revisitando, com alguma energia, vários universos em tempos considerados de culto mas hoje cada vez mais globais (da fantasia ao terror, passando pelo anime), a graça depressa se esgota e não sustenta as mais de duas horas de duração desta saga futurista onde o reconhecimento ganha quase sempre à surpresa.
Mais problemática do que o concentrado de piscares de olho óbvios (ouça-se a lista de canções dos anos 80, especialmente preguiçosa e cansativa) é a trama distópica da qual está ausente a capacidade de maravilhamento indissociável dos melhores filmes de Spielberg, com a vertente lúdica sugerida ao início a ceder terreno a um jogo de pistas genérico e rotineiro, que nem sequer consegue dar novos mundos a cenários da realidade virtual (há uma sequência numa discoteca com algum esplendor, mas é a exceção que só confirma a regra).
Spielberg parece mais preocupado em oferecer uma colecção de "easter eggs" do que em desenhar personagens de corpo inteiro, num desperdício de actores que deixa Tye Sheridan entregue a um cliché geek (pós-Peter Parker, pós-Harry Potter e mais pobre do que ambos) e Ben Mendelsohn reduzido a uma presença sonolenta como vilão de serviço, tão esquecível como o que encarnou em "Rogue One: Uma História de Star Wars" (e tão longe de uma das interpretações mais magnéticas dos últimos anos, em "Bloodline").
Mark Rylance tenta esboçar uma figura mais ambígua, embora acabe por ser só outra peça do tabuleiro. E é logo aquela através da qual "READY PLAYER ONE: JOGADOR 1" tenta vender um final entre a mensagem inspiradora e a epifania, mas que deixa um sabor a sentimentalismo pouco sincero, no qual é difícil de acreditar depois de tanta parafernália tecnológica pronta a encher o olho (com direito a batalhas e perseguições consecutivas num terceiro acto especialmente arrastado). Custa ver, aliás, como um cineasta habitualmente tão interessado em explorar laços familiares trata os que estão mais próximos do protagonista, o que só vem reforçar o esquematismo de um blockbuster tão revivalista quanto despersonalizado.
Se a ideia era conjugar referências do passado e deixar inquietações em relação ao futuro, Spielberg bem podia ter guardado o livro de Cline na gaveta enquanto espreitava "USS Callister" ou "San Junipero", episódios de "Black Mirror" que provam como alguma televisão pode ser mais subversiva, lúdica e inventiva do que muito cinema - e nem impinge óculos 3D para tentar disfarçar a fraca experiência uma sala grande...
1,5/5