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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Uma rapariga com potencial

Numa altura em que a FESTA DO CINEMA FRANCÊS se instala no Porto, já a partir de dia 22, louva-se por aqui a aposta em "DIAMANTE BRUTO" na edição lisboeta, no início do mês. Uma das melhores antestreias do evento, o primeiro filme de Agathe Riedinger chegou de Cannes com duas nomeações (incluindo à Palma de Ouro) e vale tanto pela descoberta de uma realizadora como de uma actriz.

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"Vou ser a Kim Kardashian francesa", garante a protagonista desta longa-metragem baseada na curta "J'attends Jupiter" (2018). Adolescente de 19 anos, influencer a despertar atenções no Instagram e no TikTok, Liane é tão ambiciosa como meticulosa na gestão da imagem e essa determinação poderá dar maiores frutos mediáticos depois de um casting para um reality show. Mas se a oportunidade lhe permite ir ganhando o estatuto de estrela local - numa zona empobrecida de Fréjus, no sul de França -, a espera pela confirmação da produtora é o rastilho para uma espiral de insegurança e ansiedade.

Movendo-se na fronteira ténue entre realidade e artifício, "DIAMANTE BRUTO" tem, desde logo, o mérito de nunca olhar de cima para a sua protagonista nem para o meio que a envolve. O retrato de um quotidiano precário, marcado por horizontes limitados e metas questionáveis, seria facilmente ridicularizado noutras mãos, mas a realizadora está sempre com Liane, nunca a julgando mas também não a apresentando como uma figura dócil para o espectador. Neste estudo de personagem vertiginoso tanto cabe a obsessão, o narcisismo e a insolência como uma vulnerabilidade comovente e até inesperada à primeira vista.

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Apresentando uma segurança e desenvoltura invulgares numa primeira longa, Riedinger desenha um relato coming of age numa moldura de realismo social traçado com rasgo e urgência. A câmara à mão e a fotografia saturada não serão opções originais neste registo, mas são agarradas com "savoir faire" num drama que acompanha a procura de beleza e da fama a todo o custo - sugestões de "body horror" incluídas - sem cair no conto moral(ista) pronto a consumir e descartar.

O papel da religião numa rotina guiada por padrões estéticos exacerbados e a banda sonora entre o melancólico e o sinuoso (cortesia do violoncelo de Audrey Ismaël) ajudam a conferir uma gravidade crescente a uma obra que vai afirmando o seu espaço, apesar das muitas referências próximas. O filme tem suscitado comparações a "Rosetta", dos irmãos Dardenne, pela forma crua como segue uma adolescente, embora esta história de crescimento no feminino, com experiências de solidão e abandono, também lembre os mais recentes "The Florida Project", de Sean Baker, ou "How to Have Sex", de Molly Manning. O universo de Céline Sciamma, conterrânea que se tem debruçado sobre vidas de jovens mulheres à margem ("Naissance des pieuvres", "Retrato de uma Rapariga em Chamas"), é outra aproximação possível.

Além de revelar uma realizadora, "DIAMANTE BRUTO" vale pela descoberta de uma actriz, a estreante Malou Khebiz, presença fundamental para que Liane se imponha como uma das grandes personagens da Festa do Cinema Francês deste ano. Misto de inocência e voracidade, é o maior exemplo de uma direcção de actores apurada, mesmo que alguns secundários fiquem por explorar - uma das poucas limitações desta reunião de talento em bruto.

4/5

Da Palestina e do Chipre para a Invicta

De volta para a décima edição, o QUEER PORTO decorre de 8 a 12 de Outubro nos cinemas Batalha e Passos Manuel e também na Casa Comum. Neste terceiro espaço, da Reitoria da Universidade do Porto, há sessões e debates de entrada livre da secção Queer Focus (dedicada a pessoas e comunidades LGBTQI+ de diversas geografias), incluindo duas curtas que estiveram entre as boas apostas do mais recente Queer Lisboa. Vale a pela descobri-las no dia 9, às 18h00.

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"A'LAM", de Saleh Saadi: O realizador palestiniano que se debruçou sobre a relação entre um pai e um filho na sua primeira curta, "Borekas" (2020), parte da cumplicidade entre dois jovens adultos seus conterrâneos na segunda. Curiosamente, uma viagem de carro volta a ser determinante para o embate emocional entre a personagem interpretada pelo próprio autor (que também assina o argumento) e a da sua amiga de longa data, que se prepara para emigrar de Jerusalém para os EUA. A partida traz à tona memórias, medos e ressentimentos ao longo de 25 minutos num pequeno grande filme que tem mais a dizer do que muitas longas. E sabe como dizê-lo, abordando questões de identidade, liberdade e género assentando numa dinâmica emocional na qual é fácil acreditar. Mérito de dois desempenhos (de Saadi e da actriz Abeer Lawen) fiéis ao travo realista deste retrato e de uma escrita que não força a nota ao mergulhar no conflito israelo-palestiniano, expondo limitações quotidianas do ponto de vista árabe sem fazer dos protagonistas bandeiras de uma causa. Pelo contrário, mostra-os a interrogarem-se mutuamente e partilha essas interrogações com o espectador.

4/5

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"BUFFER ZONE", de Savvas Stavrou: A relação entre o corpo, a música e a dança não é novidade para um realizador que, além de algumas curtas de ficção, tem no currículo dois videoclips de canções dos The Irrepressibles ("Submission" e "Let Go"). Na sua obra mais recente, o cipriota radicado em Londres volta a esses territórios em ambiente militar, num pequeno relato em que a primeira fronteira é física e separa dois jovens soldados de lados opostos. Acompanhando um cipriota grego que tem uma paixão platónica por um cirpriota turco, desenha uma visão sensível e sentida, ainda que algo ingénua, sobre um amor não necessariamente em tempos de guerra, mas pelo menos num contexto heteronormativo e de masculinidade tóxica. Desta vez não há música dos The Irrepressibles, antes clássicos dos Bon Jovi, Radiohead e Kate Bush, banda sonora essencial para que este salto para o realismo mágico se concretize. Quem estiver disponível para baixar as armas do cinismo encontra aqui 16 minutos escapistas, etéreos e levitantes...

3/5