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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

É uma casa da realeza, com certeza

Em Westeros, o passado é feminino mas não menos violento e grotesco do que as tramas de "A Guerra dos Tronos". "HOUSE OF THE DRAGON", prequela aguardadíssima, recua até à era dourada da saga de George R. R. Martin e faz figura de novo ex-líbris da HBO Max. O primeiro capítulo não desilude.

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Uma história de sucessão, com doses generosas de reviravoltas e tensões familiares em ambiente de intriga palaciana. Poderíamos estar a falar de "A Guerra dos Tronos", mas a descrição também é válida para o primeiro dos muitos spin-offs do maior fenómeno televisivo dos últimos anos.

Mais do mesmo? No arranque de "HOUSE OF THE DRAGON", a familiaridade com a série-mãe é inegável, e em parte compreensível: afinal, a aposta criada pelo próprio George R. R. Martin (inspirada no seu livro "Sangue e Fogo") ao lado de Ryan Condal ("Colony"), que também é showrunner juntamente com Miguel Sapochnik (realizador do primeiro episódio depois de ter dirigido alguns dos melhores de "A Guerra dos Tronos") não dispensa boa parte dos ingredientes que ajudaram a explicar o sucesso desta mitologia.

Há por aqui violência gráfica com sangue em abundância, cenas de sexo com alguma nudez e os famigerados dragões não tardam a aparecer. O regresso a Porto Real, o único cenário da acção (pelo menos para já), também se faz com mais reconhecimento do que surpresa, da fotografia em tons dourados à direcção artística sumptuosa e imponente (embora mais carregada de CGI), passando pela banda sonora de Ramin Djawadi, que pisca descaradamente o olho à música que já conhecíamos. 

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Se todos estes elementos asseguram que ninguém duvida estar no universo de "A Guerra dos Tronos", a prequela opta por uma narrativa mais focada, concentrando-se no relato de triunfo e queda da dinastia Targaryen, 200 anos antes de Daenerys ser o rosto do clã. É certo que não faltam alusões e até a presença de algumas figuras de outras casas de Westeros, mas esta primeira hora (e seis minutos) mostra que menos pode ser mais ao não querer ir além de uma disputa pelo poder relativamente restrita. E quando a jovem princesa Rhaenyra surge como a candidata ao Trono de Ferro, desafiando o patriarcado que poucos ousariam questionar, "HOUSE OF THE DRAGON" diz mais claramente ao que vem, confrontando o masculino e o feminino num ambiente carregado testosterona e misoginia.

O grande momento do primeiro episódio conjuga, aliás, duas situações de violência extrema: uma a opor dois cavaleiros para gáudio de espectadores entregues a um combate sádico, outra a retratar de forma impiedosa (mas não gratuita) um parto tão angustiante como antológico, ambas a dizerem muito sobre o papel social e culturalmente reservado ao homem e à mulher.

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A contenção narrativa joga a favor de um início capaz de dar tempo e espaço a um núcleo de personagens estimulante, mesmo que às vezes não resista a comparações demasiado próximas com as da série anterior. Rhaenyra e a sua melhor amiga, Alicent Hightower, trazem à memória Arya e Santa Stark, respectivamente, enquanto Daemon, o insolente e aguerrido tio da protagonista, tanto lembra Jamie Lannister como Oberyn Martel. Nada de preocupante, ainda assim, quando há mais nove episódios para que essas e outras figuras trilhem o seu próprio caminho. Até porque o elenco convence, juntando gente como Paddy Considine, Rhys Ifans, Matt Smith, Olivia Cooke ou a revelação Emma D'Arcy como Rhaenyra.

Para já, "HOUSE OF THE DRAGON" sugere que, apesar de muitas séries terem tentado ocupar o lugar deixado por "A Guerra dos Tronos", esta prequela será, na pior das hipóteses, a sua melhor substituta até agora. Mas é legítimo elevar a fasquia: os alicerces do arranque revelam-se bem mais robustos do que os de uma mera casa de papel...

O primeiro episódio de "HOUSE OF THE DRAGON" está disponível na HBO Max desde 22 de Agosto. A plataforma de streaming estreia novos capítulos todas as segundas-feiras.

Não há nada mais penoso do que uma boa história mal contada

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Nota: texto com spoilers de "A Guerra dos Tronos" (T8E6)

 

Desilusão televisiva do ano? Ainda é cedo para dizer, mas o final de "A GUERRA DOS TRONOS" está certamente muito bem colocado na lista de fenómenos mais amargos. Se a oitava e última temporada já estava a ser, de longe, a mais frustrante da série da HBO, o sexto e derradeiro episódio tratou de confirmar as piores expectativas. E com a desvantagem de tornar mais frágil parte dos acontecimentos que ficaram para trás.

 

"The Iron Throne" deixa a sensação de que muitas teorias dos fãs teriam sido francamente preferíveis ao desfecho servido por David Benioff & D. B. Weiss. Se a "evolução" abrupta de Daenerys Targaryen nos capítulos mais recentes já era controversa, a Mãe dos Dragões tornou-se mais ainda mais irreconhecível num casamento forçado entre tirania e ingenuidade (tão forçado como a sua relação com Jon Snow), acabando por ser despachada de forma particularmente fácil e ridícula - e numa sequência que só sublinha a falta de química e as limitações interpretativas do casal. Mas essa nem foi a solução mais insultuosa de um episódio carregado delas, da tomada de consciência de Drogon (rir para não chorar?) à cimeira que anulou o bom senso de quase todas as personagens para que Tyrion Lannister passasse por iluminado.

 

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"Não há nada no mundo mais poderoso do que uma boa história" até poderia ficar como uma boa frase de despedida se a história em causa não fosse a de Bran Stark, uma das mais problemáticas da saga e com as maiores conveniências de argumento (a abrir a porta ao esoterismo e a visões como muletas narrativas sempre que possível, entre caminhos sub-Harry Potter que não levaram a lado nenhum). É uma escolha ingrata para outras personagens (Sansa ou Gendry) e sobretudo para a inteligência do espectador, a quem se pede para aceitar que tudo o que acabou por acontecer já estava nos planos do jovem Stark (incluindo cenários de carnificina que poderiam ter sido facilmente evitados).

 

A "eloquência" de Tyrion também parece ter sido suficiente para convencer Jon Snow a reconsiderar toda a devoção à sua rainha, tornando o suposto herói messiânico numa mera marioneta dos argumentistas. Se era para isto, para quê ressuscitá-lo a meio da saga, sobretudo com tanto protagonismo (e com segredos de família inconsequentes pelo meio) quando não faltavam figuras infinitamente mais interessantes? Os arcos de Theon Greyjoy, Brienne of Tarth ou Jaime Lannister, dos mais apressados desta temporada, bem poderiam ter beneficiado com parte desse tempo de antena.

 

Também não há nenhum motivo razoável para Tyrion e Jon terem chegado ao fim desta história quando Verme Cinzento, os restantes Imaculados e os Dothraki já tinham mostrado não fazer prisioneiros. E aqui voltou a notar-se a falta de arrojo de uma temporada que, à excepção de "Dany", poupou a vida a todas as personagens principais - o que até nem seria uma limitação se tivesse ocorrido de forma verosímil.

 

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Um episódio que já ia longo pareceu interminável quando, vá-se lá saber porquê, alguém achou que o dia-a-dia da nova ordem de Westeros seria interessante de acompanhar. Talvez até pudesse ser, mas a opção encontrada para a reunião de Tyron, Ser Davos, Sam Tarly, Bronn e Brienne (onde ficou a jura de fidelidade a Sansa, já agora?) foi um registo de (má) sitcom com um tom a milhas dos minutos iniciais, mais próximo de um amontoado de bloopers para extras de um DVD.

 

Salvou-se, enfim, a montagem final com Arya, Sansa e Jon, que pelo menos deu às irmãs Stark um final digno e condizente com o seu percurso. Mas é pouco, muito pouco, e não chega para os mínimos exigíveis de quem acompanhou esta saga durante quase dez anos. Depois de tantos grandes momentos, mesmo com subenredos dispensáveis ao longo de oito temporadas (a oportunidade desperdiçada de Dorne, a travessia interminável de Bran), e de um culto que ascendeu a fenómeno global e inescapável, elevando histórias de fantasia a outro patamar de popularidade e respeito, é uma pena que "A GUERRA DOS TRONOS" não vá deixar saudades no final...