Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

O nome engana: esta não é música de consumo rápido

Uma das revelações do FESTIVAL MÚSICAS DO MUNDO diluiu fronteiras geográficas e sonoras enquanto transitou da serenidade para a festa. Com uma estreia amplamente concorrida, os BEDOUIN BURGER são um nome a fixar e a reencontrar.

Diako-Yazdani-photography-credit.png

Não faltaram propostas sonantes no cartaz da 23.ª edição do festival que, mais uma vez, voltou a arrancar em Porto Covo e a despedir-se em Sines. Entre 22 e 29 de Julho, o evento guiado pela "música com espírito de aventura" contou com mais de 40 concertos de quase 30 países, entre os quais os de nomes como Lila Downs, Tinariwen, Rodrigo Cuevas, Céu, Silvana Estrada ou Carminho (que terão contribuído para que este fosse o seu ano com maior adesão de sempre, somando mais de 100 mil espectadores, revelou a organização).

Mas além dos consagrados ou das novidades mais celebradas, outro motivo forte para continuar a contar com o FESTIVAL MÚSICAS DO MUNDO (FMM) na agenda de Verão é a descoberta de artistas que (ainda) não são alvo de tantas atenções. O facto de haver vários concertos gratuitos diariamente encoraja a isso mesmo, e não é invulgar que algumas das melhores memórias até acabem por ser as desses encontros inesperados.

Bedouin Burger.jpg

Para quem viu os BEDOUIN BURGER, é bem capaz de ter sido esse o caso. A dupla do músico e produtor libanês Zeid Hamdan e da cantora, compositora, instrumentista e artista visual síria Lynn Adib inaugurou as actuações do último dia num Palco das Artes repleto (com espectadores de todas as idades), depois de a portuguesa Rita Braga ou a Madalitso Band, do Malawi, já terem motivado, durante a semana, uma adesão surpreendente ao mesmo espaço (que assim merece ser repensado numa próxima edição, de preferência com mais zonas de sombra e eventual venda de bebidas).

De passagem por Portugal para a apresentação do EP de estreia, "BB", editado em Março, o duo trouxe originais e canções tradicionais, conjugou o electrónico e o acústico e percorreu vários dialectos do árabe. Durante cerca de uma hora, foi da contenção, com grande parte do público ainda sentado, à celebração, já com toda a gente de pé, boa parte dela a dançar. E se o primeiro impacto se deveu sobretudo a uma voz encantatória e à atmosfera delicada que a envolveu, a sedução adensou-se pela conjugação hábil de loops (vocais e de flauta), a cargo de Adib, e pela presença singular do guitalele e de sintetizadores, entregues a Hamdan.

Dirigindo-se frequentemente aos espectadores, a vocalista foi partilhando o que retrata esta música que se mostrou frágil e melancólica na bela "Nomad", tema nada alheio a movimentos migratórios dos últimos anos e que levou a que muitos entoassem "sem abrigo" (assim mesmo, em português) a pedido da anfitriã.

A procura de um local a que se possa chamar de casa inspirou a própria formação do projecto, em Paris, e por esta altura já se pode dizer que chegou a bom porto criativo: da misteriosa "Ya Man Hawa" à irresistível "Dabkeh", há aqui pistas encorajadoras para o primeiro álbum, prometido para breve. E além desta muito aplaudida passagem por Sines, fica a recomendação das actuações no Tiny Desk ou na KEXP, a atestar a alquimia de uma banda que, ao contrário do que o nome sugere, merece degustação atenta em vez de um consumo rápido.

Mais três boas memórias desta edição:

A Garota Não.jpg

FMM

A GAROTA NÃO (Castelo de Sines, 26 de Julho): O público disse claramente que sim a Cátia Oliveira, acolhendo-a de forma sempre entusiasta num final de tarde já com casa cheia. Ou no caso, castelo; o castelo mais alto durante cerca de uma hora que se mostrou demasiado curta para o alcance de "2 de abril".

O segundo álbum da cantautora, editado no ano passado, tem levado histórias do bairro setubalense que lhe dá título a todo o país, mas o de Sines foi uma ocasião especial, como a própria reconheceu. Afinal, decorreu num festival "mais de abraços do que de selfies, mais de liberdade do que de tendências, que é diferente pelo amor que tem à diferença", confessou nas suas redes sociais. E por isso condizente com esta música que, não se afirmando necessariamente como de intervenção, é das que melhor soube olhar para um país (partindo de um bairro) e quem o habita, visita ou abandona nos últimos tempos.

Entre um agradecimento irónico (e apupado) à Galp, patrocinadora do evento, que antecedeu "422", tema inspirado pelos lucros da empresa, e um medley de homenagem a outras inspirações - figuras como Sérgio Godinho, Da Weasel ou Sam The Kid -, o concerto foi um exemplo de comunhão, com um episódio especialmente emotivo em "Mulher Batida". No final dessa canção certeira criada com os Orelha Negra, a artista lamentou as mortes de mulheres vítimas de violência doméstica, apresentando os nomes de muitas delas num bloco cuja última folha era negra. Porque a luz de Lisboa não ilumina tudo e ainda há quem insista em dar voz ao luto...

Rita Vian.jpg

FMM

RITA VIAN (Castelo de Sines, 27 de Julho): "Fui muito festivaleira e este foi o único sítio onde não vim", contou a autora de "CAOS'A" (2021), lamentando a falha e reforçando a honra de se estrear no Festival Músicas do Mundo não apenas enquanto espectadora, mas como um dos nomes do cartaz. Talvez por isso tenha compensado a ausência até aqui com a apresentação de algumas canções em primeira mão, numa altura em que se prepara para editar o álbum "Sensoreal" (que deverá chegar no último trimestre do ano).

Ao já conhecido single de avanço, "Animais", juntaram-se assim novos temas que reforçam a aproximação ao trip-hop, e até ao hip-hop, de forma mais vincada do que no muito auspicioso EP de estreia, produzido por Branko. Por outro lado, os ecos do fado pareceram menos evidentes, mas esta amostra sugeriu que há pouco ou nenhum interesse na repetição de uma linguagem que atingiu logo o estado de graça em canções como ou "HPA" - inevitavelmente, um dos momentos mais bonitos e arrepiantes de um concerto que alimentou a curiosidade quanto aos próximos capítulos.

Al-Qasar.jpg

FMM

AL-QASAR FEAT. ALSARAH (Palco Galp, Av. Vasco da Gama, 28 de Julho): Num festival aberto até de madrugada, o projecto multicultural criado pelo guitarrista e produtor franco-americano Thomas Attar Bellier despertou uma das grandes enchentes pós-duas da manhã.

A banda, que junta elementos do Líbano, Marrocos, Argélia ou Egipto, regressou a Sines depois da estreia em 2019 com nova formação, da qual faz parte a vocalista turca Sibel Durgut, e convidou a cantora sudanesa Alsarah para a sua mistura de rock psicadélico e música árabe. A convidada também participa no primeiro álbum, "Who Are We?", editado no ano passado, cujo alinhamento tem ainda ilustres como Lee Ranaldo (dos Sonic Youth) ou Jello Biafra (dos Dead Kennedys).

Iggy Pop também é fã e percebe-se porquê: estes acessos de "fuzz árabe" (descrição do próprio grupo) são um disparo de energia em disco que fazem ainda mais sentido (e surgem mais enriquecidos e vertiginosos) num palco, como o público do FMM testemunhou. E quanto mais este embalo distorcido acelerou, mais melhorou, durante cerca de uma hora que passou a correr, mas que foi suficiente para valorizar as duas vozes de luxo (a solo ou em conjunto) e músicos com um entrosamento sem deslizes.

Tal como no concerto dos Bedouin Burger, a noção de casa construída através do encontro de origens díspares foi sublinhada por Alsarah, ou não fosse este um dos pilares identitários de um festival que, conforme salienta A Garota Não, "promove o encontro com o outro, a aproximação ao outro, o respeito pelo outro". Que assim continue por muitos verões com vista (e ouvidos) para o mundo...

Filmes, séries, discos, canções e concertos: 58 de 2023

2023.jpg

A carta de amor à sétima arte de Damien Chazelle (que Hollywood não soube acolher). O regresso ao grande ecrã da saga do Homem-Aranha que interessa. A melancolia de Mario Martone e Mikhaël Hers, a urgência de Kurak Günler e Yvan Attal. Uma temporada promissora para o cinema de animação que se faz por cá. A despedida agridoce de "A Maravilhosa Sra. Maisel", a surpresa de "Fleishman em Apuros" e a confirmação de "Somebody Somewhere" e "Reservation Dogs". A pop electrónica no feminino via Zanias, Chasms, Liela Moss ou Billy Nomates. O regresso dos dEUS, grandes em disco e ao vivo. O passo em frente de Ana Lua Caiano e Cláudia Pascoal, a revelação HADESSA, a persistência de Victor Torpedo e o melhor disco de Stereossauro (ao lado de Ana Magalhães, outra revelação). Emily Haines e Letrux, rainhas do palco.

A sucessão de memórias podia continuar, embora estes já sejam exemplos suficientes do muito e bom que houve a reter do cinema, séries e música do primeiro semestre de 2023 (pré-"Barbenheimer", portanto, mas ainda assim com Margot Robbie entre os destaques). A lista abaixo deixa mais umas dezenas a (re)descobrir, tanto de dentro como de fora de portas, enquanto a rentrée não traz mais novidades de peso. De qualquer forma, pelo menos em relação aos filmes, o ano já parece estar ganho, com várias estreias que não destoariam num top 10 de Dezembro (e que provavelmente vão lá estar):

10 FILMES

A Acusação.jpg

"A Acusação", Yvan Attal
"A Água", Elena López Riera
"As Oito Montanhas", Felix Van Groeningen e Charlotte Vandermeersch
"Babylon", Damien Chazelle
"Dias em Chamas", Kurak Günler
"Holy Spider", Ali Abbasi
"Homem-Aranha: Através do Aranhaverso", Joaquim dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson
"Nostalgia", Mario Martone
"O Azul do Cafetã", Maryam Touzani
"Os Passageiros da Noite", Mikhaël Hers

3 FILMES PORTUGUESES

Os Demónios do Meu Avô.jpg

"Ice Merchants", João Gonzalez
"Os Demónios do Meu Avô", Nuno Beato
"Vadio", Simão Cayatte

5 SÉRIES

Fleishman em Apuros.jpg

"Fauda" (T4), Netflix
"Fleishman em Apuros" (T1), Disney+
"Reservation Dogs" (T2), Disney+
"Somebody Somewhere" (T2), HBO Max
"A Maravilhosa Sra. Maisel" (T5), Prime Video

10 DISCOS

hidrico-rubens-zanias.jpg

"CACTI", Billy Nomates
"Chrysalis", Zanias
"Follow the Cyborg", Miss Grit
"Glimpse of Heaven", Chasms
"How to Replace It", dEUS
"Internal Working Model", Liela Moss
"Love Lines", Nuovo Testamento
"Married in Mount Airy", Nicole Dollanganger
"Pre-Code Hollywood", Jonathan Bree
"Radical Romantics", Fever Ray

5 DISCOS NACIONAIS

Cláudia Pascoal.jpg

"!!", Cláudia Pascoal
"FORTUNA", HADESSA
"Se Dançar É Só Depois", Ana Lua Caiano
"Tracy Vandal Plays Victor Torpedo", Victor Torpedo & Tracy Vandal
"Tristana", Stereossauro

10 CANÇÕES

heartworms-1.jpg

"As feras, essas queridas", Letrux
"Closing", Zanias
"Come and Find Me", Liela Moss
"Glimpse Of Heaven", Chasms
"Heat", Nuovo Testamento
"How to Replace It", dEUS
"Live Again", The Chemical Brothers feat. Halo Maud
"My Darling True", Nicole Dollanganger
"Retributions Of An Awful Life", Heartworms
"Times Square", Jam City feat. Aidan

Vão mais 10? É seguir por aqui:

10 CANÇÕES NACIONAIS

Strond.jpg

"Artificial", Filipe Keil
"Bandeiras", Bandua
"Dedos da Mão", HADESSA
"Library Loudness", Strond
"Lugar II", Cláudia Pascoal
"Nome de Mulher", Stereossauro feat. Ana Magalhães
"Se Dançar É Só Depois", Ana Lua Caiano
"The rabbit hole", Birds Are Indie
"Tour de Force", Moullinex
"Viver", SAL

Mais 10 da prata da casa:

5 CONCERTOS

dEUS.jpg

Bandua no Lux
dEUS no Coliseu de Lisboa
Letrux no Musicbox Lisboa
Lisbon Poetry Club no Fórum Cultural do Seixal
Metric no Live Music Hall, Colónia