Depois de já ter visto os Crystal Castles sete vezes, o que esperar? No mínimo mais um vendaval electrónico quase ininterrupto, e foi isso que a dupla (agora sem Alice Glass) voltou a servir ao apresentar o novo álbum no Paradise Garage, em Lisboa, como escrevo neste artigo do SAPO Mag.
Nem um avanço nem um passo atrás. "AMNESTY (I)", o quarto álbum dos CRYSTAL CASTLES, é antes um passo ao lado na carreira da dupla ao optar pela continuidade em vez da ruptura sonora, apesar da saída de Alice Glass.
Ao contrário do que se poderia pensar - e que muitos ainda chegaram a temer -, os CRYSTAL CASTLES estão longe de descaracterizados no primeiro álbum sem a vocalista original, Alice Glass, que ajudou a consolidar grande parte do culto em torno do duo canadiano. Tanto que o maior problema de "AMNESTY (I)" talvez seja o de mostrar uma banda demasiado igual a si própria, já que até a nova voz, a de Edith Frances, segue sempre os moldes da anterior (seja no modo calmo ou caótico) em vez de procurar um espaço mais demarcado.
Por outro lado, e para quem ainda tivesse dúvidas, o disco deixa claro que o grande responsável pela identidade sonora dos CRYSTAL CASTLES é mesmo o produtor e compositor Ethan Kath, por muito que a antiga colega se chegasse à frente (literalmente) nos concertos, alavancas fulcrais para o fenómeno, e fosse a face mais visível e carismática do projecto.
A produção de Kath continua a gerar canções com uma identidade reconhecível e até inimitável, entre estilhaços de electrónica explosiva de alma gótica e industrial, intensa e dançável, e acessos de tranquilidade nos seus antípodas, com ecos dream pop. Mas desta vez, além de facilmente identificável, o cenário também chega a ser redundante, sobretudo em momentos como "Sadist" ou "Chloroform", demasiado próximos do que já se tinha ouvido no disco anterior e talvez mais apropriados para lados B.
Tendo em conta que chega de uma banda até aqui decidida a não se repetir de disco para disco - os óptimos "Crystal Castles" (2008), "Crystal Castles (II)" (2010) e "(III)" (2012) -, "AMNESTY (I)" pode ser desapontante ao primeiro impacto, contentando-se por vezes em oferecer derivações de "Celestica" ou "Baptism" quando deveria atirar-se a outros desafios.
Não é que não haja surpresas:a frenética "Kept" afasta-se do negrume que tem sido marca registada da banda depois do álbum de estreia e ensaia um flirt com o french touch, "Ornament" serve um oásis apetecível e quase instrumental depois de um alinhamento carregado de tensão, "Femen" é uma introdução envolvente a condensar a atmosfera entre o celestial e o fantasmagórico do disco.
Já "Teach Her How to Hunt", interlúdio com sugestões drone e noise, parece uma sequela de "I Am Made of Chalk", que fechava o segundo álbum, cabendo à serena "Their Kindness Is Charade" fazer a ligação com os finais dos outros, ficando ainda entre os temas mais bonitos da fase recente do grupo. Igualmente difícil de negar é a força de "Concrete" ou "Frail", a primeira com perfil de hino e assente numa EBM demolidora, a segunda a piscar o olho ao trance noutro caso que ameça tornar-se muito sério ao vivo.
Contas feitas, e quando este savoir faire nunca chega a ser realmente beliscado, "AMNESTY (I)" fica muito longe de um mau disco ou sequer de um episódio a lamentar... só peca mesmo por ser o menos urgente de uma discografia que estava, até aqui, entre as essenciais deste milénio.