Havia necessidade de outra variação sobre o super-herói mais popular da Marvel? Nem por isso, mas "O TEU AMIGO DA VIZINHANÇA HOMEM-ARANHA", a nova série animada do Disney+, é bem-vinda na mesma - pelo menos se mantiver o fôlego e frescura dos primeiros episódios.
Entre os filmes de imagem real protagonizados por Tom Holland e as animações (muito superiores) "Homem-Aranha: No Universo Aranha" e "Homem-Aranha: Através do Aranhaverso", não têm faltado, nos últimos anos, propostas em torno da mitologia de uma das figuras centrais da Marvel. Mas mais de 60 décadas de aventuras de Peter Parker e do seu alter ego na BD garantiram que há sempre mais histórias a contar, proposta que "O TEU AMIGO DA VIZINHANÇA HOMEM-ARANHA" desenvolve a partir deste mês no pequeno ecrã.
A nova série do Disney+ é a 12.ª da plataforma de streaming derivada do Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla original em inglês), e facilmente das mais promissoras desse filão em anos. Ao contrário da maioria das anteriores, decorre, tal como "E Se...?", numa realidade alternativa, mas não esconde ligações a eventos dos filmes mais recentes do sobrinho da tia May.
Felizmente, não é preciso que o espectador seja versado na cada vez mais complexa linha cronológica do MCU para mergulhar neste retrato animado dos primeiros dias de Peter Parker enquanto adolescente a debater-se com um percurso paralelo de super-herói local. E o factor local não é um pormenor, como nunca foi nas aventuras mais marcantes da personagem na BD ou no cinema (a ligação do "amigo da vizinhança" aos nova-iorquinos teve direito a pelo menos uma sequência de antologia no superlativo "Homem-Aranha 2", de Sam Raimi).
Cenas quotidianas no bairro de Queens, onde o protagonista vive com a tia (aqui numa versão rejuvenescida, obviamente inspirada na versão de Marisa Tomei nos últimos filmes), dominam os primeiros dois episódios de uma primeira temporada de dez - e já há mais duas confirmadas. Mas nem todo o elenco de secundários é tão reconhecível: a série junta nomes familiares como Harry e Norman Osborn a figuras como Nico Minoru (que na BD surgiu na equipa Runaways e aqui é a melhor amiga de Peter Parker) ou Pearl Pangan (apontada como interesse amoroso).
A reforçar uma galeria de personagens promissora está Lonnie Lincoln, que alguns fãs da BD associarão ao supervilão Lápide, mas que aqui é apresentando como colega de escola do protagonista - e principal entrave a que este conquiste o coração de Pearl. Jovem afro-americano, destaca-se enquanto personagem que começa logo a desafiar estereótipos - como o próprio Peter Parker admite - e com um arco narrativo a vincar um olhar sobre a diferença e o racismo (para já, tão subtil como contundente).
Inspirada pela diversidade cultural nova-iorquina, não ignorando ressonâncias sociais contemporâneas (há pelo menos uma personagem LGBTQIA+), a série tem, em simultâneo, um curioso travo clássico ao recuperar não só a simplicidade e o lado mais terra-a-terra das histórias iniciais do Homem-Aranha na BD como a linguagem visual de artistas desses dias, de Steve Ditko (que cocriou o super-herói com Stan Lee) a John Romita Sr..
O showrunner Jeff Trammell ("Craig of the Week") e o realizador Mel Zyer até aproximam algumas cenas de vinhetas, numa homenagem às páginas que abriram caminho para estas aventuras no ecrã. A escolha, tal como a atenção ao detalhe no desenho dos espaços urbanos e nos contrastes de quem os habita e percorre, ajuda a dar personalidade a "O TEU AMIGO DA VIZINHANÇA HOMEM-ARANHA", embora as expressões faciais das personagens não sejam das mais fluídas - uma limitação que se aceita quando este regresso alternativo às origens não parece ter esquecido as lições (tanto de narrativa como de empatia) da história original.
"O TEU AMIGO DA VIZINHANÇA HOMEM-ARANHA" estreou-se a 29 de Janeiro no Disney+ e conta com novos episódios na plataforma às quartas-feiras.
Faz sentido continuar uma série de animação infantojuvenil quase 30 anos depois de ter terminado? "X-MEN '97", a nova aposta do Disney+, sugere que sim: a nostalgia pode ter dado o mote, mas estas aventuras dos super-heróis mutantes da Marvel são tão prementes em 2024 como na década de 90 (e o genérico inicial ainda é dos mais trepidantes que já passaram pelo pequeno ecrã).
Para muitos a principal porta de entrada para os X-Men, mais do que as revistas de BD (que chegaram décadas antes) ou os filmes de imagem real (que viriam anos depois), a primeira série de animação, homónima, da equipa liderada por Charles Xavier não será uma memória estranha a quem viveu a infância ou a adolescência na década de 90.
Emitida em Portugal pela SIC, nas tardes entregues a "Buéréré" (outros tempos, de facto), a criação da FOX durou cinco temporadas (nos EUA, foi transmitida entre 1992 e 1997) e adaptou algumas das histórias mais icónicas dos super-heróis mutantes da Marvel dos comics para a TV. Ainda está para surgir no cinema uma versão tão conseguida da saga da Fénix como a que se viu ali, ou da dinâmica das (muitas) personagens da equipa - e em alguns casos, dos seus traços de personalidade -, mérito da forma como a série se manteve fiel ao ADN do que os X-Men representam.
Daí a pensar voltar ao lugar onde se foi feliz, através de uma nova produção, ainda vai alguma distância. Mas é essa a proposta de "X-MEN '97", 27 anos depois do final da quinta temporada da série original, agora desenvolvida pela Marvel Studios Animation, disponível no Disney+ e com Beau DeMayo ("The Witcher") no comando. E nem é preciso ver toda a primeira temporada (de dez episódios) para perceber que o criador e argumentista, embora tenha sido despedido poucas semanas antes da estreia, sabe como poucos do que está a falar e para quem fala.
Este regresso e recomeço é tanto para novos espectadores, não necessariamente de uma faixa infantojuvenil, como (e sobretudo?) para uma legião de adultos que acompanhou as temporadas anteriores. Assim o têm comprovado as muitas e entusiastas reacções aos primeiros episódios (já há três que podem ser vistos no Disney+) em várias avenidas online, expressando um aplauso consensual, ou bem perto disso, tanto da crítica como do público.
Percebe-se porquê: o arranque de "X-MEN '97" é tão certeiro a manter uma trama telenovelesca (no melhor sentido), a partir das relações conturbadas entre os membros da equipa, como a vincar um olhar singular (em especial dentro do universo dos super-heróis) sobre a diferença, a intolerância e a opressão. Apesar de a abordagem ao preconceito também ter estado no centro da maioria dos filmes dos mutantes, a série consegue trazer um sentido de urgência renovado face à realidade política e social de 2024. Dificilmente será coincidência que um dos momentos do segundo episódio lembre o ataque ao Capitólio dos EUA, em 2021. E uma organização de cidadãos revoltados (os Amigos da Humanidade, já presente na série original) tem semelhanças assustadoras com partidos de extrema-direita que querem "limpar o país".
Marcada por um ritmo acelerado e animação 2D (parcialmente desenhada à mão) mais fluída do que a da série original, "X-MEN '97" cruza logo várias sagas da BD nos três capítulos iniciais e é particularmente bem-sucedida nos primeiros dois. O facto de já não contar com Charles Xavier obriga a uma dinâmica diferente, que dá mais protagonismo ao casal Ciclope e Jean Grey. Ele, intrépido e carismático como nunca tinha sido antes, e ela, grávida e com direito a um diálogo de antologia com Tempestade sobre as inquietações de ser mãe, afirmam-se como centro narrativo e emocional de uma história com outros pilares em Magneto, a tentar a jornada de vilão para herói, ou do brasileiro Roberto da Costa, cara familiar da BD (onde se tornou o super-herói Mancha Solar) mas personagem recém-chegada a estas paragens, cumprindo (e bem) o papel de guiar novos espectadores como Jubileu fez antes.
O transmorfo Morph e o viajante no tempo Bishop são outras novidades da galeria de protagonistas, embora o primeiro tenha, para já, mais destaque do que o segundo - seja pela cumplicidade com Wolverine ou pelo papel de easter egg ambulante (e às vezes delirante), distribuindo fanservice nas doses certas (as piscadelas de olho aos conhecedores são complementos ou curiosidades da narrativa e não o oposto, felizmente).
"X-MEN '97" só trai parte da óptima primeira impressão quando tenta juntar demasiado, no terceiro episódio. Concentrando em apenas meia-hora anos de acontecimentos da cronologia da BD e focando-se numa das suas sagas mais emblemáticas (que juntou os X-Men ao X-Factor e Novos Mutantes), acaba por limitar o potencial de uma história que ganharia com maior fôlego (tal como a saga da Fénix ganhou, lá está, na animação dos anos 90). E até corre o risco de se tornar confusa para quem nunca leu aventuras dessa fase, por muito que o imaginário do terror seja bem incorporado ou que não faltem momentos de respeito óbvio pelas personagens. Nada que não possa ser compensado quando o final deixa pistas para a adaptação de um dos arcos definidores de Tempestade - de preferência, sem pressa de passar logo ao seguinte...
"X-MEN '97" estreou-se no Disney+ a 20 de Março. A plataforma de streaming estreia novos episódios todas as quartas-feiras.