Até agora, 2024 foi o ano de "Challengers" e "Anatomia de uma Queda", de dois filmes (uma curta e uma longa) de Basil da Cunha, da surpresa de "Shogun" e da despedida de "Fellow Travelers", dos regressos de Charli xcx e dos Still Corners (o primeiro estrondoso, o segundo demasiado discreto), dos álbuns de estreia de Ana Lua Caiano e dos Cara de Espelho, de grandes concertos dos Depeche Mode e de TORRES (este, infelizmente, apenas fora de portas). E também de outros destaques de cinema, séries e música a guardar, listados abaixo como sugestão de (re)descoberta num mês de Agosto que não costuma trazer novidades de maior. Se o segundo semestre mantiver este nível, já não estará nada mal:
10 FILMES
"Adagio", Stefano Sollima (Festa do Cinema Italiano, Netflix) "Anatomia de Uma Queda", Justine Triet "Challengers", Luca Guadagnino "Mátria", Álvaro Gago "O Rapto", Marco Bellocchio "Os Excluídos", Alexander Payne "Pedágio", Carolina Markowicz "Rotting in the Sun", Sebastián Silva (IndieLisboa) "The Bikeriders", Jeff Nichols "Vidas Passadas", Celine Song
3 FILMES PORTUGUESES
"2720", Basil da Cunha "Baan", Leonor Teles "Manga d'Terra", Basil da Cunha
"BRAT", Charli xcx "Challengers [MIXED] by Boys Noize", Trent Reznor and Atticus Ross/ Boys Noize "Dream Talk", Still Corners "Girl With No Face", Allie X "I'm totally fine with it 👍 don't give a fuck anymore 👍", Arab Strap "Letter to Self", SPRINTS "Prism of Pleasure", Elkka "TANGK", IDLES "The Sunset Violent", Mount Kimbie "What an enourmous room", TORRES
5 EPs
"Almost Love", Anna Prior "Club Shy", Shygirl "HEAT", Tove Lo & SG Lewis "in.corpo.ração", Jup do Bairro "Streetwise", Pretty Sick
"00:00", margô "1996", Girls 96 "Cada Vez Mais", João Caetano
10 CANÇÕES
"Delphinium Blue", Cassandra Jenkins "Don't Change", Los Bitchos "Hideout", COMA "Hyper Feminine", Boo "Lose More Slowly", Still Corners "Mokili", KOKOKO! "Morph Me", N*JOY "numb", Julia-Sophie "Off With Her Tits", Allie X "The girl, so confusing version with lorde", Charli xcx feat. Lorde
Vão mais 20? É seguir por aqui:
10 CANÇÕES NACIONAIS
"Álibi", Joana Espadinha "Cansada", Ana Lua Caiano "denial", MAQUINA. "depois", margô "Fadistão", Cara de Espelho "florir", EVAYA "Massacre", Throes + The Shine "Queimar Tudo e Recomeçar", HADESSA "The Day We Left Earth", Micro Audio Waves "Tugareg", Club Makumba
O FESTIVAL MÚSICAS DO MUNDO (FMM) é dado à surpresa global, mas um dos pontos altos da 24.ª edição foi uma certeza nacional: CARA DE ESPELHO, supergrupo muito aplaudido no Castelo de Sines depois de ter editado um dos grandes álbuns de estreia do ano.
Gonçalo Sá
Afinal, o que é isso de ser genuíno? A pergunta foi feita, mais de uma vez, por Maria Antónia Mendes (ou Mitó, "para os amigos"), em "Genuinamente", canção que olha com ironia para questões identitárias e é dos exemplos recentes da escrita afiada de Pedro da Silva Martins, outro elemento (assume a composição e a guitarra) do projecto que junta músicos dos Gaiteiros de Lisboa, Ornatos Violeta, Deolinda ou A Naifa.
Hino à mistura sem fronteiras, o tema dificilmente poderia ter palco mais apropriado do que o do festival que decorreu de 20 a 27 de Julho, em Porto Covo e Sines, e voltou a celebrar música de várias geografias e géneros.
Uma das maiores celebrações foi mesmo a do supergrupo cuja formação conta ainda com Carlos Guerreiro (multi-instrumentista), Luís J. Martins (guitarra), Nuno Prata (baixo), Sérgio Nascimento (bateria) e Gonçalo Marques (multi-instrumentista), responsável pela corrida de um público dos 7 aos 77 (ou mais além) ao Castelo de Sines no final da tarde da passada sexta-feira, dia 26 (num concerto de entrada livre, como cerca de 70% dos espectáculos do FMM).
Nuno Pinto Fernandes/FMM
Depois de, em Janeiro, terem inscrito o disco de estreia homónimo entre as grandes surpresas nacionais de 2024, os CARA DE ESPELHO mostraram saber defendê-lo em palco. Mais até do que quando o apresentaram, em Março, no Teatro Maria Matos, em Lisboa. Se aí ofereceram uma actuação coesa, mas talvez um tanto contida, em Sines foram substancialmente mais desenvoltos e mobilizadores. Resultado, talvez, do ambiente de festival aliado à experiência conjunta de palco que acumularam nos últimos meses.
O aniversário de Carlos Guerreiro, músico que fez nesse dia 70 anos, também ajudou, e nem foi preciso grande incentivo para que o público lhe cantasse os parabéns. Mitó aproveitou a ocasião para enaltecer o legado do fundador dos Gaiteiros de Lisboa e de outros veteranos da música portuguesa, como o recentemente falecido Fausto Bordalo Dias.
Nuno Pinto Fernandes/FMM
"Estamos aqui para vos reflectir", assinalou a vocalista pouco antes, no início do concerto. Missão mais do que cumprida, sinalizou o público ao longo de cerca de uma hora, quer já fosse conhecedor do projecto ou nem por isso. E de facto, há poucos discos que traduzam melhor o que é ser (genuinamente) português aqui e agora do aquele que guarda "Paraíso Fiscal", "Fadistão" ou "Testa de Ferro". Ou também, claro, "Dr. Coisinho", tema inspirado no líder do Chega, André Ventura, que levou uma multidão a levantar o dedo do meio quando Mitó entoou "coisifique aqui o dedo".
Nestas canções de intervenção tanto cabe a raiz portuguesa ("Corridinho Português") como languidez africana ("Livres Criaturas") e ecos pós-punk ("Político Antropófago", com direito a final efervescente ao vivo), mas a mistura pode estar só a começar. Sinal disso foram temas não incluídos no álbum que também subiram a palco, tão entusiasmantes (e galvanizadores) como a colheita inicial, caso de "Roda do Crédito" ou "O que esta gente quer?". Respondendo à pergunta lançada pela segunda canção, a vocalista defendeu que "esta gente quer paz e igualdade e que haja quem lute por elas". Abram-se portas de salas (e castelos) a mais artistas e concertos como estes, então.