Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Um concerto "genuinamente português"

O FESTIVAL MÚSICAS DO MUNDO (FMM) é dado à surpresa global, mas um dos pontos altos da 24.ª edição foi uma certeza nacional: CARA DE ESPELHO, supergrupo muito aplaudido no Castelo de Sines depois de ter editado um dos grandes álbuns de estreia do ano.

Cara_de_Espelho_Gonçalo_Sa.jpg

Gonçalo Sá

Afinal, o que é isso de ser genuíno? A pergunta foi feita, mais de uma vez, por Maria Antónia Mendes (ou Mitó, "para os amigos"), em "Genuinamente", canção que olha com ironia para questões identitárias e é dos exemplos recentes da escrita afiada de Pedro da Silva Martins, outro elemento (assume a composição e a guitarra) do projecto que junta músicos dos Gaiteiros de Lisboa, Ornatos Violeta, Deolinda ou A Naifa.

Hino à mistura sem fronteiras, o tema dificilmente poderia ter palco mais apropriado do que o do festival que decorreu de 20 a 27 de Julho, em Porto Covo e Sines, e voltou a celebrar música de várias geografias e géneros.

Uma das maiores celebrações foi mesmo a do supergrupo cuja formação conta ainda com Carlos Guerreiro (multi-instrumentista), Luís J. Martins (guitarra), Nuno Prata (baixo), Sérgio Nascimento (bateria) e Gonçalo Marques (multi-instrumentista), responsável pela corrida de um público dos 7 aos 77 (ou mais além) ao Castelo de Sines no final da tarde da passada sexta-feira, dia 26 (num concerto de entrada livre, como cerca de 70% dos espectáculos do FMM).

Cara_de_Espelho_Nuno_Pinto_Fernandes_2.jpg

Nuno Pinto Fernandes/FMM

Depois de, em Janeiro, terem inscrito o disco de estreia homónimo entre as grandes surpresas nacionais de 2024, os CARA DE ESPELHO mostraram saber defendê-lo em palco. Mais até do que quando o apresentaram, em Março, no Teatro Maria Matos, em Lisboa. Se aí ofereceram uma actuação coesa, mas talvez um tanto contida, em Sines foram substancialmente mais desenvoltos e mobilizadores. Resultado, talvez, do ambiente de festival aliado à experiência conjunta de palco que acumularam nos últimos meses.

O aniversário de Carlos Guerreiro, músico que fez nesse dia 70 anos, também ajudou, e nem foi preciso grande incentivo para que o público lhe cantasse os parabéns. Mitó aproveitou a ocasião para enaltecer o legado do fundador dos Gaiteiros de Lisboa e de outros veteranos da música portuguesa, como o recentemente falecido Fausto Bordalo Dias.

Cara_de_Espelho_Nuno_Pinto_Fernandes.jpg

Nuno Pinto Fernandes/FMM

"Estamos aqui para vos reflectir", assinalou a vocalista pouco antes, no início do concerto. Missão mais do que cumprida, sinalizou o público ao longo de cerca de uma hora, quer já fosse conhecedor do projecto ou nem por isso. E de facto, há poucos discos que traduzam melhor o que é ser (genuinamente) português aqui e agora do aquele que guarda "Paraíso Fiscal", "Fadistão" ou "Testa de Ferro". Ou também, claro, "Dr. Coisinho", tema inspirado no líder do Chega, André Ventura, que levou uma multidão a levantar o dedo do meio quando Mitó entoou "coisifique aqui o dedo".

Nestas canções de intervenção tanto cabe a raiz portuguesa ("Corridinho Português") como languidez africana ("Livres Criaturas") e ecos pós-punk ("Político Antropófago", com direito a final efervescente ao vivo), mas a mistura pode estar só a começar. Sinal disso foram temas não incluídos no álbum que também subiram a palco, tão entusiasmantes (e galvanizadores) como a colheita inicial, caso de "Roda do Crédito" ou "O que esta gente quer?". Respondendo à pergunta lançada pela segunda canção, a vocalista defendeu que "esta gente quer paz e igualdade e que haja quem lute por elas". Abram-se portas de salas (e castelos) a mais artistas e concertos como estes, então.

Uma canção para chamar o Verão

HADESSA QUEIMAR 2.jpg

Com "FORTUNA", editado no ano passado, HADESSA assinou uma estreia que fez jus ao título. O primeiro álbum da cantautora foi mesmo dos mais afortunados, no que ao conjunto de canções memoráveis diz respeito, que surgiram na música portuguesa nos últimos meses, unindo tradição e modernidade, retratos pessoais e um olhar ao redor tão interventivo como multifacetado.

Do nervo pós-punk de "Dedos na Mão" (a mergulhar em inquietações laborais) ao casamento perfeito da escola dos girl groups dos anos 50 e do rock alternativo dos 90 de "Temperança", passando pela afirmação feminista de "Força Motriz" (com Maria Antónia Mendes, em tempos d'A Naifa e Señoritas e agora nos muito recomendáveis Cara de Espelho) sem esquecer a acústica e desarmante "Mãe (elegia)" (o título é auto-explicativo), aprimorou uma identidade e linguagem que já seduziam nos singles iniciais, "Fortuna" e "Ruína".

O disco, no entanto, ainda reserva algumas surpresas. Por um lado, porque vai ser editado em formato CD e vinil este Verão (para já, está disponível nas plataformas digitais). Por outro, porque o seu alinhamento vai acolher mais duas canções. "QUEIMAR TUDO E RECOMEÇAR", a primeira a ser revelada, já tinha sido ouvida numa versão mais crua no concerto de apresentação do álbum no Tokyo, em Lisboa, em Setembro de 2023, espectáculo que teve entre os convidados Momma T (que produziu o tema) e Catarina Branco (que colaborou nos arranjos e gravação).

Com mistura de Guilherme Simões, o novo single é uma ode ao recomeço e, muito provavelmente, o acesso mais veraneante da sua autora, ao reforçar a carga electrónica e o apelo à dança - algures entre a fase recente de Ana Moura e a ginga do sírio Omar Souleyman, um bailarico dos santos populares e os encontros do Festival Músicas do Mundo de Sines. Mais uma faceta revelada, portanto, e já com um videoclip que parece ter antecipado a subida de temperatura repentina: