Uma sátira terrível e umas férias aterradoras
Um foi uma tremenda desilusão, outro uma surpresa curiosa. "BACURAU" e "THE LODGE", dois dos filmes de terror (em sentido lato, sobretudo o primeiro) mais falados dos últimos tempos, estiveram entre os mais concorridos da 13ª edição do MOTELX, no Cinema São Jorge, em Lisboa
"BACURAU", de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles: Premiado em Cannes e aplaudido por muita imprensa dentro e fora do Brasil, o novo filme do autor de "O Som ao Redor" e "Aquarius" - que agora partilha a realização com o seu director de arte -, pode vir a fazer maravilhas como arma de arremesso contra Bolsonaro e companhia, mas enquanto cinema é uma das maiores desilusões do ano. O que havia de subtil nas obras anteriores cede aqui terreno ao gratuito, depois de uma primeira meia-hora que até apresenta um retrato comunitário palpável e intrigante do sertão nordestino.
Infelizmente, este híbrido de ficção científica, western e terror (com gore à discrição) limita-se a introduzir personagens promissoras para depois as reduzir a símbolos descartáveis, numa sátira que rapidamente se torna maniqueísta - ao opor a "pureza" dos nativos contra o mal sem travões disseminado pelos invasores imperialistas (caucasianos e norte-americanos, naturalmente). Se a ideia era deixar uma ode à resistência face à opressão e à dizimação cultural, uma curta-metragem teria sido suficiente. Assim, temos um panfleto slasher de mais de duras horas, óbvio e repetitivo, e sobretudo tremendamente previsível e preguiçoso.
As supostas cenas de suspense raramente escapam à banalidade e não há caução cinéfila (Carpenter, Leone ou Tarantino pairam por aqui) nem auto-consciência que salvem um argumento tão raso ou vários actores desastrosos - má demais, a grupeta de assassinos canastrões liderada por Udo Kier. Mais triste ainda é ver Sônia Braga, tão bem tratada em "Aquarius", perdida no meio do desastre e sem personagem a que se agarrar.
Para um mergulho recente e bem mais imaginativo e arriscado numa pequena comunidade pernambucana, nada como (re)descobrir "Azougue Nazaré", de Tiago Melo (curiosamente, ex-colaborador de Kleber Mendonça Filho). E quem procurar um retrato do Brasil de hoje sem simplismos nem ganga panfletária, tem numa série como "Pico da Neblina", de Quico e Fernando Meirelles, uma proposta muito superior. "Bacurau" até pode vir com a capa irreverente de cinema de género, mas só oferece o pior do "filme tema"...
0/5
"THE LODGE", de Severin Fiala e Veronika Franz: A dupla austríaca que se destacou com o elogiado "Goodnight Mommy" (2014) volta a abordar dramas familiares através do terror, agora a partir da relação entre dois irmãos adolescentes e a nova companheira do pai, acolhida com desconfiança.
Cinema de câmara, o filme que se estreou em Sundance passa a maior parte do tempo no interior de uma casa de férias, isolada na neve durante as vésperas de um Natal sem direito a milagres. Por outro lado, não faltam tormentos numa história que junta traumas e cultos, mas que está muito acima de disparates esotéricos na linha de "The Conjuring" e outros relatos derivativos de mansões assombradas.
Há quem compare o ambiente frio, gélido mesmo, a "The Shining", embora "A Visita" talvez esteja mais próximo deste convívio forçado entre dois miúdos e um parente mais velho. O resultado é especialmente conseguido na primeira metade, quando a "madrasta" (encarnada por uma credível Riley Keough) é tão misteriosa para os adolescentes como para os espectadores e ajuda a desenhar um ambiente de cortar à faca.
Essa secura emocional deriva muito da conjugação minuciosa e minimalista de imagem e som, abrilhantada pela direcção de fotografia de Thimios Bakatakis (colaborador de Yorgos Lanthimos em "O Sacrifício de Um Cervo Sagrado" e "A Lagosta") e com um sussurro ou um ranger de porta a valerem mais do que a overdose de jump scares de muita concorrência. O minimalismo alarga-se a um elenco que nem precisa de uma dezena de actores, entre os quais Richard Armitage, Jaeden Martell (um dos protagonistas de "IT") e Alicia Silverstone (numa participação tão breve como decisiva).
Mas a meio também fica a sensação de que Fiala e Franz vão perdendo algum fôlego, concentrando-se demasiado em cenas que insistem em baralhar o real e o ilusório. E mais à frente, uma reviravolta chega a comprometer a verosimilhança do que estava para trás, mesmo que a recta final recupere alguma inspiração e até conte com sequências de antologia (em especial uma que envolve um automóvel na neve, mostrando como a câmara da dupla ainda pode moldar situações arrepiantes a partir de cenários reconhecíveis).
Enquanto exercício de estilo, há aqui savoir faire e ideias mais do que suficientes, e a dupla é capaz de fintar lugares comuns associados ao terror. Só faltou um mergulho no drama familiar com mestria à altura, já que alguma desta angústia se arrisca a dissipar-se à saída da sala...
3/5