20 anos depois, ainda não houve amor como o terceiro
O terceiro álbum dos PLACEBO chega aos 20 anos com um lugar de destaque na discografia da banda. Editado a 9 de Outubro de 2000, "BLACK MARKET MUSIC" ainda é, com alguma distância, dos registos mais consistentes de um trio que nunca voltaria a brilhar tanto.
Nascido da ressaca de "Without You I'm Nothing", provavelmente o álbum mais amado do grupo de Brian Molko, Stefan Osdal e Steve Hewitt (baterista que abandonaria o projecto em 2007), o terceiro longa-duração saiu-se bem a sedimentar o que já funcionava enquanto arriscou alguns caminhos inesperados. E (ainda) mais do que os anteriores, foi resultado de noites longas e desregradas, gravado pela madrugada fora depois do fecho de pubs e discotecas que acolheram a banda regularmente - é o baixista quem o diz no primeiro vídeo do 20.º aniversário do disco, partilhado esta semana no site oficial dos PLACEBO (e ao qual se seguirão novos capítulos com vários depoimentos na próxima segunda-feira).
A rotina boémia e noctívaga, acompanhada de doses generosas e diversificadas de drogas, teve reflexo directo em boa parte das letras (do single "Special K" a uma canção de embalar ácida como "Commercial for Levi", um dos maiores tesouros do alinhamento), o que não sendo novidade na história da banda, também ainda não acusava o desgaste lírico que marcaria a sua fase mais recente. E quem diz drogas, diz álcool, a condimentar logo o tema de abertura, "Taste in Men" ("It's been this way since Christmas Day/ Dazzled, doused in gin"), com Molko entregue a um relato de obsessão amorosa (e não seria o último do álbum, longe disso, com a dependência emocional também a ganhar terreno).
A primeira faixa, que foi ainda o single de apresentação, deixa um arranque em alta enquanto pilha o riff do baixo de "Let There Be More Light", dos Pink Floyd, tema ao qual "Block Rockin' Beats", clássico dos Chemical Brothers, também já devia muito. A vertente mais musculada, distorcida e industrial de "Taste in Men", no entanto, tem influência assumida da escola dos Nine Inch Nails ("Wish" fez parte da banda sonora habitual do grupo durante as gravações), embora acabe por não ser assim tão dominante no disco - apesar de abrir caminho para contaminações electrónicas ocasionais.
Episódios efervescentes como "Days Before You Came" ou a contenção de "Passive Agressive" e "Narcoleptic", por exemplo, não destoariam nos álbuns anteriores, mas "BLACK MARKET MUSIC" arriscou um olhar liricamente menos umbiguista em "Haemoglobin", inspirada num linchamento motivado pelo ódio racial, e "Spite & Malice", colaboração com o rapper Justin Warfield (que viria a formar os She Wants Revenge) que partiu de motins em Londres na altura ("Revolution, dope, guns, fucking in the streets"). Esta última é também dos momentos de maior arrojo sonoro, com um cruzamento de rock e hip-hop que quis oferecer uma alternativa à fusão nu metal, dominante na viragem do milénio, e combater a postura machista e homofóbica de bandas associadas ao género. O resultado talvez seja das canções menos consensuais dos PLACEBO, mas está entre as faixas incontornáveis do disco.
Outra peça-chave do alinhamento, "Blue American" é guiada por um piano arrepiante e Molko num dos momentos de maior entrega vocal, entre a solidão, a neurose e a depressão (e alguma presunção, poderão acrescentar alguns, mas que aqui será mais feitio do que defeito, até por ser assumida na letra). No extremo oposto, "Slave to the Wage" é dos temas mais despachados e orelhudos, escolha óbvia para single com um sample nada óbvio do arranque de "Texas Never Whispers", dos Pavement, a tentar uma fuga para a frente enquanto critica um sistema entregue à rotina e à estratificação social ("Run away from all your boredom/ Run away from all your whoredom and wave/ Your worries, and cares, goodbye").
Mais um single, e mais um grande exemplo da coesão instrumental dos PLACEBO nesta fase (com menção obrigatória para a bateria), "Black-Eyed" surgiu pronta a ser abraçada por uma imensa minoria adolescente entre a inadaptação e o hedonismo ("I was never loyal/ Except to my own pleasure zone/ I'm forever black-eyed/ A product of a broken home", garante Molko numa canção onde voltou a fazer, como tão bem sabia, a ponte entre o cepticismo e o melodrama juvenil).
Tal como "Placebo" e "Without You I'm Nothing", o disco não dispensou uma faixa escondida, embora desta vez não tenha sido um instrumental: "Black Market Blood" é o tema mais sumptuoso desta colheita e um belo epílogo depois da melancolia da despedida, a cargo de "Peeping Tom". Fecho inspirado para um alinhamento versátil, ainda que, vá-se lá saber porquê, Brian Molko aponte "BLACK MARKET MUSIC" como monocromático, excessivamente gótico e o pior álbum dos PLACEBO. Muitos fãs, no entanto, ainda continuam à espera de outro disco deste calibre...