Não se deixem enganar pelo título: o protagonista de "MURDERBOT" tem muito pouco de ameaçador. Pelo menos nos primeiros episódios da nova série da Apple TV+, plataforma que continua a ganhar lugar como casa-chave da ficção científica no pequeno ecrã.
Depois de "Severance", "For All Mankind", "Silo", "Invasion" ou "Foundation", a Apple TV+ parece continuar firme na aposta em séries de ficção científica. Mas a aventura estreada há poucas semanas tem pouco em comum com a maioria das criações da plataforma, tendencialmente viradas para o drama. "MURDERBOT", apesar do título com sugestões de thriller ou de terror, é antes uma comédia com uma leveza refrescante nestes meandros, sobretudo porque cumpre sem deslizes aquilo a que uma comédia se propõe à partida: ter graça.
Adaptação dos livros "The Murderbot Diaries", da norte-americana Martha Wells, conta com créditos de autoria, argumento, realização e produção de Chris e Paul Weitz, dupla de "American Pie - A Primeira Vez" e "Era uma Vez um Rapaz" que parece compreender as águas em que se move. Esta história de um ciborgue que ganha consciência e começa a questionar o seu lugar numa sociedade futurista guiada por uma organização dúbia não traz nada de novo, principalmente a um público versado em ficção científica, mas o segredo está numa combinação hábil de ingredientes, do tom ao formato e elenco.
Arrancando com o protagonista entregue a uma equipa de cientistas resistentes às normas do sistema (e com um cepticismo tecnológico assinalável), "MURDERBOT" não precisa de muito mais de 20 minutos por episódio para oferecer uma comédia despretensiosa e carismática.
Alexander Skarsgård ajuda muito ao encarnar um ciborgue tão desnorteado como desconfiado (e avesso a contacto visual) com um à-vontade notório, mesmo que o ouçamos mais vezes a pensar do que a falar. Felizmente, este é dos casos em que o recurso à narração em off é mais feitio do que defeito, não se limitando a descrever os acontecimentos e contendo algumas das tiradas mais hilariantes, em especial quando comentam o comportamento humano.
A combinação de comédia com ambientes sci-fi está mais próxima dos também recentes "Mickey 17", de Bong Joon Ho, ou de "Fallout", saga da Prime Video, do que da oferta habitual da Apple TV+, e sai reforçada por uma galeria de actores em sintonia com essa proposta, de Noma Dumezweni ou David Dastmalchian, no elenco principal, a Clark Gregg ou John Cho, nomes convidados para a esgrouviada série dentro da série na qual a personagem de Skarsgård é viciada... ou não fosse o binge-watching a sua definição de um programa de lazer perfeito. Mais um sinal de humanidade na máquina?
"MURDERBOT" estreou-se a 16 de Maio na Apple TV+ e conta com novos episódios na plataforma às sextas-feiras.
Como fazer um bom filme quando os grandes estúdios insistem em seguir fórmulas batidas, apesar de muitas vezes rentáveis? Essa é a questão que atormenta a personagem de Seth Rogen em "THE STUDIO", a nova série da Apple TV+. Os primeiros episódios não sugerem respostas, mas propõem uma viagem curiosa e divertida aos bastidores de Hollywood.
Dois anos depois de "Platonic", Seth Rogen regressa à Apple TV+ não apenas como actor e produtor executivo mas também enquanto criador, argumentista e realizador. "THE STUDIO", cuja autoria é partilhada com o seu cúmplice habitual Evan Goldberg e também com Peter Huyck, Alex Gregory e Frida Perez, mantém-se fiel à comédia, ainda que não no campo romântico ou aparentado. Aqui, a principal relação amorosa é a que o protagonista, recentemente nomeado director de um grande estúdio, mantém com o cinema desde cedo. Mas que pode estar à beira do fim quando um grande poder decisivo também traz grandes pressões corporativas associadas, como a personagem de Rogen descobre logo no primeiro episódio.
O capítulo inicial sugere e o segundo reforça que "THE STUDIO" é uma viagem aos bastidores de Hollywood mais conseguida do que a também recente (embora já cancelada) "The Franchise", da Max. Aqui o tom de sátira é mais astuto, os diálogos mais afiados, o ritmo mais absorvente e o elenco mais promissor - tanto os actores que encarnam figuras fictícias (destaque para actrizes como Catherine O'Hara e Kathryn Hahn) como os que fazem versões livres deles próprios (menção obrigatória para um muito empenhado Martin Scorsese, força motriz do arranque, ao qual se juntam ilustres como Charlize Theron, Steve Buscemi, Sarah Polley ou Greta Lee).
Não sendo especialmente original, até porque o retrato do que se passa atrás das câmaras já tem uma longa tradição no cinema - do influente "O Jogador", de Robert Altman, ao subestimadíssimo "Babylon", de Damien Chazelle, passando por vários filmes de Nanni Moretti ou Woody Allen -, "THE STUDIO" é especialmente aliciante para amantes da sétima arte sem deixar à porta quem não tenha cartão de cinéfilo. Terá fôlego narrativo para dez episódios? A resposta dependerá da forma como a série conciliar a profusão de convidados de luxo e referências mais ou menos óbvias com o mergulho nas inquietações pessoais e sobretudo profissionais do protagonista.
Para já, o resultado é aconselhável, das ambições e desilusões que se atropelam no primeiro episódio, "The Promotion", ao seguinte, "The Oner", incursão atribulada numa rodagem e em particular numa cena com um plano-sequência - opção estética que, não por acaso, também é seguida por Rogen e Goldberg na realização de todo este capítulo, a sublinhar a costela meta da série e exemplo de um virtuosismo técnico que também marcou "Adolescência" (Netflix) e "Demolidor: Nascer de Novo" (Disney+) por estes dias. Mas se a televisão parece estar mais cinematográfica, o cinema continua a ser outra coisa, lição que "THE STUDIO" não só não esquece como enaltece - mesmo reconhecendo que, às vezes, um grande estúdio tem de fazer muitos maus filmes até poder apostar num bom.
"THE STUDIO" estreou-se a 26 de Março na Apple TV+ e conta com novos episódios na plataforma às quartas-feiras.