Um brinde ao fim do mundo
Perdido entre a enxurrada de aventuras com piratas, aliens ou super-heróis que dominam as salas de cinema, "COLOSSAL" nem chega a ter hipóteses face à máquina promocional desses blockbusters. Mas a nova proposta de Nacho Vigalondo é mesmo o filme-pipoca mais inteligente e arriscado da temporada.
Descontando raras excepções como "Guardiões da Galáxia 2", as últimas grandes estreias com os multiplexes na mira têm sido uma sucessão cansativa de mais do mesmo. Pior, um mais do mesmo assente na lei do menor esforço, muitas vezes em torno de uma ideia que deu frutos há anos ou décadas (e não é preciso ir mais longe do que ao inaceitável "Alien: Covenant" ou à enésima viagem marítima ao lado de Jack Sparrow).
Felizmente, há sinais de mudança quando a resposta do público nem sempre é a mesma de outros tempos - os flops de "Baywatch: Marés Vivas" e "Piratas das Caraíbas: Homens Mortos Não Contam Histórias" nos EUA aí estão para o provar - e sobretudo quando ainda vão chegando cá filmes como "COLOSSAL", o mais recente desafio esgrouviado de Nacho Vigalondo ("Os Cronocrimes", "Janela Aberta").
Exemplo de uma premissa levada até ao fim sem grandes cedências, por muito absurda que seja, esta mistura de universos aparentemente inconciliáveis - comédia romântica indie e "monster movie", história de superação individual cruzada com influências anime - será das escolhas mais atípicas da carreira de Anne Hathaway, protagonista desta jornada entre Nova Iorque, o interior norte-americano e Seul.
A combinação invulgar de ingredientes também torna "COLOSSAL" num daqueles filmes sobre os quais revelar alguma coisa talvez já seja revelar demais, mas quem decidir aventurar-se por aqui fica já com o aviso de que a rotina de Gloria, a quem o alcoolismo conduz ao desemprego e ao final de uma relação, vai ter um ritmo bem diferente depois do regresso da personagem principal à pequena localidade onde cresceu.
Se a vida pessoal e profissional de protagonista está um caos, o reencontro com um colega dos tempos do liceu leva a uma viragem ainda mais catastrófica, quando uma série de coincidências coloca em curso um jogo de metáforas que Vigalondo trabalha de forma cada vez mais densa depois de um arranque ligeiro. O salto da comédia para o drama talvez seja demasiado brusco, mas felizmente o filme nunca chega a abdicar por completo da vertente lúdica, mesmo quando se atira a temas como o abuso de poder e a violência física ou psicológica - em especial dirigida de homens a mulheres.
Só é pena que a costela feminista de "COLOSSAL" acabe por limitar grande parte do olhar sobre as personagens masculinas. A de Jason Sudeikis consegue impor-se graças a um desempenho surpreendente, do empático ao intimidante, capaz de disfarçar alguns deslizes do argumento, mas Dan Stevens, Tim Blake Nelson e Austin Stowell têm uma presença apenas acessória.
O ritmo irregular, sobretudo durante a primeira metade, também trava algum entusiasmo, e o desenlace mostra-se demasiado convencional (e conveniente) depois da carga alucinante de sequências anteriores. Mesmo assim, é difícil não aderir à proposta de Vigalondo, que não sendo perfeita corre mais riscos - e chega bem mais longe - do que grande parte da concorrência. Haja tempo para poder tirar partido do efeito "passa a palavra"...