Um homem à parte
O cenário pode ser paradisíaco, mas "CREPÚSCULO" está muito longe de um típico filme de Verão. No seu novo drama, Michel Franco atira Tim Roth para um retiro tão existencial como minimalista e magnético, numa das estreias mais desafiantes da temporada.
Como olhar para Neil Bennett, homem que insiste em continuar de férias (sem fim à vista) num resort em Acapulco apesar de a família interromper a estadia para comparecer a um funeral de uma parente em Londres, onde residem? O protagonista de "CREPÚSCULO" é tão desnorteante para o espectador como Olivia Colman tinha sido também este ano em "A Filha Perdida", de Maggie Gyllenhaal, mas permanece uma figura bastante mais esquiva ao longo do mais recente filme de Michel Franco.
Objecto enigmático, opaco e imprevisível, o novo drama do autor de "Nova Ordem" (2020) também se debruça sobre o privilégio e os conflitos de classe, temas caros ao mexicano há muito, mas não só acaba por ser revelar mais compassivo do que parece à partida como como escapa ao exercício de estilo, apesar de um formalismo cerebral e meticuloso. Com poucos diálogos e informações sobre as personagens (e as suas relações) reveladas de forma contida, uma trama esquelética e um forte sentido atmosférico, Franco é claramente adepto da lógica "show, don't tell".
O realizador e argumentista não se preocupa em esmiuçar a psicologia da figura de meia-idade entregue a um quotidiano lânguido num cenário aparentemente paradisíaco. O escapismo, no entanto, revela-se longe de idílico, seja pela violência que se intromete de forma abrupta em alguns episódios (ainda que não faltem presságios da sua chegada) ou através do mergulho interior de um protagonista com mais fantasmas do que a sua postura apática e despreocupada daria a entender - e que não se limita ao tédio existencial de um pobre homem rico.
Melancolia, solidão e dormência sobrepõem-se e complementam-se num retrato inteiramente colocado nos ombros de um Tim Roth (que já tinha sido cúmplice do realizador em "Chronic", de 2015) a dar uma lição de underacting. Diálogos para quê quando alguns olhares podem dizer tanto? Ao contrário de algumas personagens (como a de Charlotte Gainsbourg, numa participação breve mas impactante), Franco não julga o seu protagonista e dispensa os requintes de malvadez a que Michael Haneke e sobretudo Ruben Östlund provavelmente não resistiriam (dois cineastas nos quais é fácil pensar tendo em conta o olhar emocionalmente distante sobre as elites e um rigor clínico bem pronunciado no plano estético).
Curiosamente, os recomendáveis "A Caixa", de Lorenzo Vigas, e "A Civil", de Teodora Mihai, ambos filmes produzidos pelo realizador que passaram pelas salas nacionais há poucos meses, também seguiam personagens no limite, embora num contexto mexicano muito diferente, noutros relatos que sabiam equilibrar crueza e uma noção clara do que dizer ou mostrar. Em vez do crespúsculo, talvez esteja antes por aqui a alvorada de uma sensibilidade partilhada...
4/5