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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

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Um lugar para viver

Até onde pode ir a especulação imobiliária? O cenário de "ROSIE - UMA FAMÍLIA SEM TETO" não será o mais optimista, mas o filme do irlandês Paddy Breathnach é sempre verosímil (e muitas vezes comovente) enquanto dá conta dos dramas de um casal da classe média baixa. 

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Não falta sentido de oportunidade ao novo filme de Paddy Breathnach, cuja obra raramente tem chegado às salas nacionais e costuma saltitar entre géneros. Em "ROSIE - UMA FAMÍLIA SEM TECTO", o irlandês aventura-se na escola do realismo britânico para um estudo de personagens que deriva, em grande parte, das tendências do mercado da habitação em várias metrópoles europeias nos últimos anos.

A acção decorre em Dublin, mas não seria impensável que pudesse ter Lisboa como palco. Seguindo 36 horas na vida da protagonista, do marido e dos seus quatro filhos, o filme leva o espectador a acompanhar a forma obstinada como esta família tenta encontrar uma nova casa, depois de ter sido forçada a abandonar a anterior pelo senhorio (após um aumento de renda incomportável).

Ancorado numa interpretação memorável de Sarah Greene, muito bem secundada por um elenco infantil com espaço para mostrar o que vale, "ROSIE - UMA FAMÍLIA SEM TETO" desenha um quotidiano tão conturbado como credível, em reajuste permanente, no qual a partilha e a solidariedade ajudam a manter uma luz ao fundo do túnel. Mas talvez já nem a esperança dure muito mais à medida que a situação precária vai acumulando imprevistos e obstáculos.

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Felizmente, Breathnach evita que o drama familiar se torne numa via sacra, mantendo um respeito e carinho óbvios pelas suas personagens, que nunca são reduzidas a símbolos. O miserabilismo de alguns olhares do realismo social não mora aqui, embora o retrato tenha, às vezes, outras limitações: o argumento (de Roddy Doyle, que escreveu "Os Commitments" e "A Carrinha") acaba por se revelar demasiado plano, sem um fulgor narrativo à altura da entrega dos actores, e a realização abusa, em algumas sequências, do recurso à câmara à mão para sublinhar (desnecessariamente) um sentido de urgência já bem palpável.

Mas se "ROSIE - UMA FAMÍLIA SEM TETO" não será candidato a marco do género em que se move, vai além da nota de intenções do filme-tema ao conseguir um relato sóbrio e íntimo, atento aos gestos e olhares, e que não se fica pela mera denúncia (ainda que não deixe de expor a situação dramática e exasperante de muitas famílias desalojadas de Dublin). E é um sucessor recomendável e igualmente atento do Ken Loach de "Eu, Daniel Blake" (que colocava o foco no desemprego) ou dos Dardenne de "Dois Dias, Uma Noite" (com o qual partilha uma estrutura narrativa de tentativas e erros e é, também como esse, centrado numa protagonista com uma tarefa hercúlea). Um pequeno filme a descobrir entre a avalanche de estreias indiferentes das últimas semanas.

3/5