Uma celebração de um clássico ou uma festa da mensagem?
21 anos depois, "Mezzanine" continua memorável. Mas o regresso ao terceiro álbum dos MASSIVE ATTACK no Campo Pequeno, em Lisboa, não foi propriamente inesquecível e tornou-se vítima de um dos males contemporâneos mais criticados no espectáculo: demasiada informação, ao ponto de alguma se tornar ruído.
"Se gostaste disto, vais adorar aquilo", lia-se numa das dezenas de mensagens projectadas no palco do concerto desta segunda-feira (o primeiro dos dois já esgotados), saídas directamente das redes sociais. Mas quem gostou de "Mezzanine" não terá sido necessariamente arrebatado pela celebração ao vivo dos 21 anos da obra-prima dos MASSIVE ATTACK. Sobretudo quando o resultado pretendeu ser mais do que um concerto e se encaminhou para um espectáculo multimédia que poderia ter tirado lições de um chavão a juntar aos que enumerou: menos é mais.
Nada contra uma banda atenta aos sinais dos tempos, que não receie apontar o dedo. Já não é de hoje que o projecto de Robert Del Naja ("3D") e Grant Marshall ("Daddy G") o faz. Só que visitas anteriores da dupla de Bristol a palcos nacionais foram, ainda assim, mais equilibradas no peso que atribuíam à música e à imagem, sem que a segunda ofuscasse a primeira. Sendo "Mezzanine" um álbum tão singular e marcante, a cenografia pedia um cuidado à altura. E ter imagens deformadas de Donald Trump a ilustrar "Inertia Creeps" talvez não seja a combinação mais intrigante, arrojada ou consequente, ficando como exemplo de uma tentativa de sinal de alerta que, em vez de perspicaz, resvalou ocasionalmente para o redundante e gratuito.
Se não vem mal ao mundo em ir agregando situações anedóticas com a realeza britânica ou Tony Blair, recorrer a imagens de baixas de guerra descontextualizadas - com planos próximos dos corpos das vítimas e dos que choram as mortes - é resvalar para um espectáculo de objectificação da miséria que coloca em cheque as intenções supostamente humanistas da banda e de Adam Curtis, documentarista da BBC responsável pela componente visual. Episódios como esses, embora breves, quase deitaram tudo a perder, e mesmo os que não foram eticamente dúbios caíram demasiadas vezes na condescendência e não tantas na subversão (não ajudou muito que as frases escritas em português tratassem o público por tu, tornando o apelo ainda mais didáctico).
Admita-se que, ao contrário das versões de temas dos The Cure, Velvet Underground, Bauhaus ou Ultravox apresentadas ao longo da noite, a maioria das canções de "Mezzanine" dispensou grandes complementos visuais - e também não precisou de uma profusão de slogans. Um dos momentos mais conseguidos, "Teardrop", só contou mesmo com projecções relativamente simples por todo o recinto, deixando o resto a cargo da contenção de Elizabeth Fraser e da aura encantatória do tema. Um contraste com os primeiros minutos de "Group Four", onde a overdose de imagens e frases disputou a atenção com a ex-vocalista dos Cocteau Twins e Del Naja - já os últimos, visualmente mais abstractos, foram também por isso mais certeiros e terminaram o concerto de forma trepidante.
Em todo o caso, o final chegou cedo: 1h30 soube a pouco, e uma celebração sem direito a primeira parte e sobretudo a encore fica aquém do que se pedia. Pressente-se a intenção de quebrar a dinâmica habitual dos concertos, mas a alternativa que os MASSIVE ATTACK oferecem é um espectáculo sem margem de manobra para qualquer acesso espontâneo, tendo em conta que os músicos não se dirigem nem reagem ao público. Deixam que seja a tecnologia a fazê-lo, com expressão mais evidente em "Dissolved Girl", que descartou qualquer cantora em palco e optou por imagens de uma webcam (inicialmente com uma figura feminina a acompanhar a letra). Se uma troca como essa é um sinal do futuro, mas vale recordar discos como "Mezzanine" em casa... e com as imagens que a música é capaz de criar por si só.
Fotos: Everything Is New