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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Uma estreia a solo com um abraço à pista de dança

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"I didn't believe I deserved to feel this high up above the ground", canta ROMY em "Weightless", um dos primeiros temas de "MID AIR", o seu álbum de estreia a solo depois de quase 20 anos como vocalista e guitarrista dos The xx (cuja carreira não tem novidades desde 2017).

Entre a ansiedade a euforia, é uma confissão que traduz logo o tom dominante de um disco que cruza intimidade e evasão, esta última a expressar-se sobretudo na pista de dança. Afinal, foi em discotecas queer londrinas que a cantora, compositora, produtora e DJ britânica iniciou, na adolescência, um processo de coming out que se reflecte agora num álbum centrado em relações amorosas entre mulheres.

Se é verdade que se poderá acusar o alinhamento de ser monotemático, não o é menos que um relato girl meets girl está longe de ser habitual num disco pop, e a própria Romy Madley Croft nunca o tinha feito (pelo menos não de forma assumida) numa canção da sua banda.

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Embora sublinhe que "some things are for us" (em "Loveher", single dedicado à sua mulher, a fotógrafa Vic Lentaigne), não deixa de apresentar o seu conjunto de temas mais pessoais e autobiográficos (depois de também ter composto para Dua Lipa ou Halsey), revisitando amores correspondidos ou nem por isso, episódios de reclusão e afirmação, harmonia e perda (o viciante hino hedonista "Enjoy Your Life" parte de um conselho da mãe, já falecida).

Álbum esboçado durante a pandemia, "MID AIR" é descrito pela autora como uma carta de amor à vida nocturna que a acolheu sem preconceitos e da qual sentiu falta durante o confinamento. Por isso, não será coincidência que revisite (também sem preconceitos) alguma música de dança dos anos 90 e de inícios do milénio, da house ao trance, entre ritmos expansivos e às vezes a pedir braços no ar. Muito longe, portanto, do registo sóbrio dos The xx, até mesmo da faceta mais dançável do terceiro álbum, "I See You" (2017). E essa opção também contribui para que ROMY assine aqui uma estreia com uma personalidade claramente demarcada, como o fizeram Jamie xx e Oliver Sim nas suas aventuras a solo.

Os Everything But The Girl, que já tinham deixado marca na banda, são uma influência assumida deste novo capítulo, juntamente com canções e remisturas dos talvez menos expectáveis Calvin Harris e Tiësto. À semelhança de Tracey Thorn, a cantora londrina não abdica de um tom sereno e delicado, por mais festiva que seja a atmosfera, e desse contraste nascem alguns dos melhores momentos de "MID AIR": momentos como "Strong", que encontra espaço para falar de saúde mental ("You don't have to be so strong", insiste enquanto abraça o primo no videoclip), ou "Did I", olhar sobre relações conturbadas com tremendo perfil de single. Já "The Sea" propõe melancolia veraneante em praias baleáricas e "She's On My Mind" percorre as fronteiras entre a amizade e o amor num final de álbum particularmente bonito e optimista.

Apesar de iniciar um caminho a solo, ROMY não o percorre sozinha. Longe disso, como o comprovam nomes escolhidos a dedo para a produção: se Fred again.. (decisivo para a reavaliação da house dos anos 90 nos últimos tempos) e Stuart Prince (cujos créditos incluem o celebrado "Confessions on a Dancefloor", de Madonna, que tem aqui alguns ecos) estão presentes em todo o alinhamento, o velho amigo Jamie xx e Avalon Emerson surgem em colaborações pontuais mas determinantes (em "Enjoy Your Life" e "She's On My Mind", respectivamente). Até porque não há festa sem convidados e a de "MID AIR" é das mais inclusivas...