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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Uma mulher sob a influência (da maternidade)

O relógio biológico não dá descanso à protagonista de "OS FILHOS DO OUTROS". Mas apesar dessa inquietação constante, o novo drama da francesa Rebecca Zlotowski ("Grand Central", "Uma Rapariga Fácil") nunca deixa de ser afectuoso com a personagem de Virginie Efira, num retrato feminino maduro e humanista - desenhado a partir das últimas tentativas de viver a maternidade.

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Rachel tenta há muito ser mãe, mas o mais próximo que esteve desse estado foi através da relação que criou com a filha do seu companheiro mais recente. Ainda assim, nem essa cumplicidade trava o desejo que pode resultar numa frustração, em especial quando o seu ginecologista (interpretado pelo realizador Frederick Wiseman, numa presença tão inesperada como desconcertante) não lhe dá notícias optimistas à entrada dos 40.

Entusiasmada com a sua vida de professora de liceu, à qual se dedica de corpo e alma, e com um quotidiano preenchido por amigos e familiares próximos - além de oportunidades generosas no plano amoroso -, não parece faltar quase nada à protagonista de "OS FILHOS DOS OUTROS". Mas a condição de madrasta não lhe chega e confronta-a, como vai percebendo, com dores de crescimento distintas - e talvez menos recompensadoras - do que as que uma mãe tem de enfrentar.

Deste cenário que nem será assim tão incomum, mas que curiosamente não tem tido grande eco no cinema (nem na televisão, pelo menos através de personagens principais) nasce um olhar sobre os primeiros dias da meia-idade que nunca abdica de um humanismo e feminismo evidentes, embora dispense sublinhados. Zlotowski mantém uma sobriedade envolvente, sabendo quando a contornar com duas ou três cenas de uma tensão assinalável e equilibrando, sem esforço aparente, estados de melancolia e leveza (com o humor entre os recursos bem-vindos e sempre oportunos).

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O que noutras mãos poderia escorregar para o telenovelesco (com vilões e vilãs de serviço a condizer), aqui pauta-se por um realismo que, não sendo dos mais áridos, também não perde justeza nem complexidade por isso. E se ter Virginie Efira como protagonista ajuda a dar conta dessas nuances, em mais um papel recente pelo qual a actriz nascida na Bélgica merece atenções - num registo a milhas do famigerado "Benedetta", de Paul Verhoeven, e mais próximo do menos visto "Turno da Noite", de Anne Fontaine -, todo o elenco é revelador de uma direcção de actores exigente, dos veteranos Roschdy Zem e Chiara Mastroianni à pequena estreante Callie Ferreira-Gonçalves.

Não procurando grandes golpes formais nem narrativos, optando antes por conjugar modéstia e sensibilidade, "OS FILHOS DOS OUTROS" é o tipo de filme sobre situações contemporâneas "normais" de pessoas "normais" que não se vê tanto como isso: pelo menos com um relato que não seja extremado ao ponto de aligeirar ou generalizar demasiado nem de cair no tom panfletário de algum realismo social. Cinema do meio? Sim, no melhor sentido, venham mais assim (e no caso do cinema português, podem vir mesmo muitos mais).

3,5/5