Uma noite de ataque massivo (mas com algum êxtase melancólico)
A transição de BLANCK MASS para o palco mantém o ambiente caótico de discos como "Animated Violence Mild", o mais recente do projecto de Benjamin John Power. E um dos melhores do ano passado, aliás, impressão que a noite de sábado no Musicbox, em Lisboa, só veio reforçar.
Ao quarto álbum, a aventura a solo de um dos elementos dos Fuck Buttons já mostrou que não fica a dever nada à discografia da dupla. Antes pelo contrário, como tem sido comprovado sucessivamente depois da estreia homónima, em 2011. O que começou como exploração electrónica em terreno IDM ganhou outro nervo ao segundo registo, o óptimo e desconcertante "Dumb Flesh" (2015), que apostou numa linguagem explosiva consolidada em "Wold Eater" (2017) e aperfeiçoada em "Animated Violence Mild" (2019).
Se a experiência em álbum é intensa, através de uma gestão meticulosa de derivações noise e drone, trazidas dos Fuck Buttons, que chocam no melhor sentido com estilhaços de outros géneros, ao vivo Benjamin John Power consegue ter um impacto à altura. Apresentando-se sozinho em palco, munido de programações e sintetizador, foi presença mais do que suficiente para colocar em marcha um ataque sónico que valeu por uma multidão. A acústica da sala ajudou a tornar a estridência quase sem tréguas num espectáculo imersivo, sensação apurada pelo trabalho de luzes strobe e por um ecrã de imagens tão fragmentadas como os ingredientes desta música.
No livro de estilo de BLANCK MASS, o electro pode não andar longe do black metal, o techno esbarra facilmente no trance, o industrial aceita contaminações de alguma produção hip-hop. E as vozes, mesmo quando não são utilizadas como mais um instrumento, disparam sempre sons imperceptíveis, sejam os gritos distorcidos de Power ou samples de cânticos de uma eventual soul futurista.
O título de uma canção como "Death Drop" diz logo ao que vem e acendeu o rastilho para uma noite na qual o novo disco foi dominante. E faixas como esta deram conta da fórmula do projecto em ponto de rebuçado, ao imporem um crescendo rítmico a caminho do arrebatamento sem que o lado abrasivo esmagasse a componente melódica. Afinal, este acaba por ser um ruído orelhudo. Power sabe-o e soube como ir conjugando temas recentes, algumas recordações estratégicas e momentos de transição para ir dando nuances a um poderio sonoro que pode parecer monolítico à primeira.
O compasso viciante de "No Dice" lembrou o esqueleto do clássico "Terrible Lie", dos Nine Inch Nails, reencaminhado para algo completamente diferente, com tanto de visceral como de celestial. Mais demolidora, "Dead Format" recuou até aos dias de "Dumb Flesh" e ofereceu competição séria à robustez de "Love Is a Parasite", um dos picos do novo disco, enquanto que "Please" deixou um dos escassos episódios desacelerados, num belíssimo cruzamento de melancolia e êxtase a convocar a escola de Burial ou Four Tet - e um dos maiores momentos de entrega do público, que se deixou embalar pela oportunidade de harmonia no meio do caos.
Ainda assim, coube a "House Vs. House" vincar o cenário de maior euforia colectiva. Foi o que mais se aproximou de um êxito pop dentro do alinhamento da noite, com vários espectadores a tentarem trauteá-lo à medida que o corpo se moldava a um frenesim rítmico sem travões (e tiveram espaço para isso, numa sala bem composta mas longe de claustrofóbica). Se as letras do tema não eram perceptíveis, Benjamin John Power também não fez questão de dirigir quaisquer palavras ao público. Mas nem por isso deixou de se fazer ouvir - e foi trocando olhares cúmplices à medida que ia sendo aplaudido. Só lhe faltou regressar para o encore, embora ninguém lhe tire 1h15 de alta voltagem muito bem orquestrada.
4/5