Uma noite de calor e celebração, sempre com gratidão
"Sakidila", o primeiro álbum de PONGO, deu o mote para a noite desta quinta-feira, 2 de Junho, na sala lisboeta B.Leza. Entre canções novas e recuos aos EPs, a luso-angolana propôs uma celebração da vida enquanto deixou um testemunho caloroso de vitalidade musical.
Vera Marmelo/B.Leza Clube
"Dez anos depois, eu comando", assegurou Engrácia Domingues, mais conhecida como Pongo, em "Começa", na noite em que o seu primeiro álbum subiu ao palco da sala do Cais do Sodré dedicada a sonoridades africanas.
E na verdade, até já passaram mais de dez anos desde que a cantora se destacou como uma das vozes dos Buraka Som Sistema - então enquanto Pongolove -, eternizada na canção-furacão "Kalemba (Wegue Wegue)" (lançada em 2008), provavelmente o maior hino do colectivo - e do qual a luso-angolana actualmente a residir em França foi compositora, ainda na adolescência.
O caminho já vai longo, mas só agora chegou à marca do primeiro longa-duração, editado em Abril. O que não quer dizer que não tenha sido produtivo: antes do álbum, PONGO já tinha mostrado ao que vinha num percurso a solo do qual nasceram dois óptimos e muito refrescantes EPs, "Baia" (2019) e "UWA" (2020), nos quais revelou vontade de explorar outros mundos partindo das possibilidades do kuduro.
Esse eclectismo também domina o alinhamento de "Sakidila" - que significa "obrigado" em kimbundu, uma das línguas faladas em Angola -, registo que talvez não brilhe de forma tão constante como os antecessores mas que deixa claro quem está no comando.
"Quem manda no mic"? É a PONGO", repetiu a anfitriã no tema inaugural do concerto, o segundo em Lisboa este ano - depois da passagem pelo Pavilhão Carlos Lopes, no festival Sónar, em Abril - e o último em Portugal antes de uma digressão que vai da Europa ao Canadá. Afinal, foi fora de portas que esta música começou por ser acolhida de forma mais evidente, de distinções no New Musical Express ou da BBC ao convite mais recente da plataforma COLORS, passando pela colaboração com muitos produtores franceses (que se mantém no álbum).
A casa praticamente cheia na noite de quinta-feira talvez tenha beneficiado do efeito de "DÉGRÁ.DÊ", o tema de DJ Marfox que Pongo interpretou ao lado de Tristany no Festival da Canção deste ano. Curiosamente, foi um dos que ficou de fora do alinhamento do concerto, mas poucos espectadores terão reclamado quando não faltaram trunfos ao longo de pouco mais de uma hora intensa e versátil.
Vera Marmelo/B.Leza Clube
Apesar de "Sakidila" ter sido o ponto de partida, houve espaço para grande parte das canções dos EPs, da pujança de "Baia", aos primeiros minutos, ao final apoteótico a cargo de "UWA", com a cantora no meio do público e a propor uma dance battle que elevou a euforia já de si notória e levou a uma propagação de gritos e braços no ar.
Comunicativa e espirituosa, fez jus ao título do disco. Os agradecimentos foram recorrentes, o elogio da música enquanto elo comunitário e celebração da vida também. E se há música celebratória, perfeita para dar as boas-vindas ao Verão, é a de PONGO: das pistas de kuduro progressivo a contaminações da house ou do eurodance, do afrofunk ou do afrobeat, a actuação guiou-se por um disparo de adrenalina que terá poucos parentes próximos por cá - tirando a energia dos também luso-angolanos Throes + The Shine, que partilha algumas destas coordenadas (e que também já dominou o palco do B.Leza).
"Tu sabes que és a diva. Não deixes ninguém duvidar", assinalou em "Hey Linda", uma das novas canções mais contagiantes e exemplo do empoderamento e afirmação que atravessa as suas letras. Outros relatos, numa vertente menos agitada, incluíram desilusões amorosas ou "dates que não deviam ter sido mais do que isso", descreveu. E desses, "Kuzola" sobressaiu enquanto episódio particularmente memorável, menos acelerado mas sem perder intensidade. É uma das suas grandes canções, capaz de aliar sensibilidade pop, calor africano, elementos electrónicos ou reminiscências pós-punk (guitarras com ecos de uns The xx incluídas, sobretudo no formato ao vivo). Percebe-se que tenha sido a única a transitar do alinhamento de um EP para o álbum (ainda que "Makamba" fosse igualmente merecedora, e é pena não ter sido revisitada em palco).
Vera Marmelo/B.Leza Clube
Ao lado de dois músicos (um na bateria, outro ocupando-se das programações ou da guitarra) e pontualmente acompanhada por duas bailarinas, PONGO disparou ritmo sem esquecer a melodia, transitando entre uma postura assertiva e momentos de vulnerabilidade. "Tambulaya" acendeu um rastilho percussivo com palavras de ordem à altura, "Canto" juntou português e castelhano numa ode à música (defendida de forma tão orelhuda como comovente), "Doudou" convidou para um baile de travo kizomba, "Kassussa" foi um carrossel electropop de apelo tribal, "Amaduro" soou ainda mais musculada e demolidora do que em disco, já em cima raver.
"Wegue Wegue" não foi esquecida (até porque surge numa nova versão em "Sakidila"), despertando um frenesim inevitável, mas não se pode dizer que tenha ofuscado muitos outros capítulos do concerto. Já no final do encore ouviram-se ainda alguns segundos de "Bica Bidon", entoada a cappella ao lado de Titica, convidada improvisada quando o público insistia em pedir mais - a angolana também canta o tema no álbum, com uma melodia inspirada numa canção infantil. "Com alegria eu trovo/ Melodias componho", diz PONGO nessa canção. E enquanto continuar a fazê-lo com a entrega de actuações como esta, entre música tão vibrante e fluída, o agradecimento será todo nosso.
4/5