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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Uma outra educação

É dos filmes menos nomeados da corrida aos Óscares, mas está facilmente entre os melhores da colheita. E apesar do olhar amplo sobre o universo feminino, "MULHERES DO SÉCULO XX" permite que Mike Mills brilhe, como nunca antes, enquanto realizador, argumentista e director de actores.

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Custa ver como a nova longa-metragem do autor de "Chupa no Dedo" (2005) ou "Assim é o Amor" (2010) tem sido tão ignorada face a tantos outros títulos norte-americanos recentes, não necessariamente mais interessantes mas ainda assim muito premiados. Sobretudo porque o realizador que começou na publicidade e nos videoclips (são dele os clássicos "All I Need", "Sexy Boy" e "Kelly Watch the Stars", dos Air, por exemplo) tem aqui um filme de grande fôlego depois de um arranque no cinema curioso, mas algo irregular, que não prescindia de lugares comuns associados ao indie conterrâneo.

Não é que "MULHERES DO SÉCULO XX" venha redefinir ou alargar as fronteiras da escola independente norte-americana, já que esta mistura de comédia e drama é mais familiar do que transgressora. Só que Mills, além de mostrar aqui uma segurança nem sempre palpável nos filmes antecessores, apura um estilo no qual o desembaraço técnico (que não esconde o passado ligado à música) é sobretudo um meio para aproximar as personagens do espectador, mesmo que aos primeiros minutos ameace cair no virtuosimo estético ancorado em caricaturas.

Um dos elementos mais envolventes do filme é, aliás, a forma como vai revelando camadas das personagens aos poucos, tomando o seu tempo para ir conjugando vozes e espaços, épocas e contextos, dispensando uma narrativa linear mas assegurando que o todo não resulta desconexo.

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Quase sempre situado na Califórnia de finais dos anos 70, "MULHERES DO SÉCULO XX" inspira-se na relação de Mills com a mãe, depois de o seu pai ter dado o mote para o filme anterior. E se "Assim é o Amor" tinha na interpretação de Christopher Plummer um dos pilares dramáticos, aqui Annette Bening lidera de forma impecável um elenco com secundários mais jovens, mas nunca ofuscados pela veterana. Greta Gerwig, Elle Fanning, Billy Crudup e o estreante Lucas Jade (grande revelação) têm todos espaço para brilhar numa história que vai do coming of age à crise de meia-idade, temas caros de muito cinema indie aqui abordados com uma frescura invulgar.

Da ressaca dos ideais hippie ao retrato simultaneamente terno e irónico da explosão do punk, do olhar franco sobre o despertar sexual ao sublinhar do legado dos movimentos feministas, o filme deixa um mosaico cultural desenhado por Mills de forma engenhosa, recorrendo a muitas fotos e vídeos de arquivo ou a uma montagem do onírico ao frenético. A colagem audiovisual é um convite aliciante para acompanhar a partilha de experiências da mãe solitária, mas que nunca abdica de um humor afiado, e do filho adolescente, cuja visão do mundo é ampliada pelo convívio regular com outras duas figuras femininas - uma colega de liceu mais velha e uma fotógrafa melómana, ambas com desilusões ou traumas por sarar.

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O processo de educação pouco convencional que marcou o realizador nunca é empolado, mas fica como momento-chave tanto da narrativa como do rumo que as vidas das cinco personagens acabam por tomar, já que as narrações em off deixam pistas do que se seguiu (e a partitura instrumental dessas sequências, a cargo de Roger Neill, oferece as melhores conjugações entre música e imagem, o que não é dizer pouco quando a banda sonora inclui temas dos Suicide, Raincoats ou Talking Heads, estes últimos a potenciar uma das cenas mais divertidas).

Pela forma como dá conta de várias fases das vidas das personagens de modo fragmentado, com uma ligação forte à cultura pop e à entrada na idade adulta sem nunca olhar de cima para o núcleo de protagonistas, "MULHERES DO SÉCULO XX" pode ser visto como um sucessor espiritual de "Boyhood: Momentos de uma Vida" ou "As Vantagens de Ser Invisível", outros exemplos do melhor do cinema independente norte-americano dos últimos anos - facção idealista e calorosa q.b.. E enquanto drama familiar que também é, o filme de Mike Mills destaca-se ainda como alternativa muito superior ao recente (e sobrevalorizado) "Manchester by the Sea", de Kenneth Lonergan, que se leva demasiado a sério e perde-se em redundâncias e falhas de tom. Se há estreia da temporada a não perder, é mesmo esta.

4/5