Verdade ou mentira?
Em plena época alta dos Óscares, não faltam filmes em cartaz que justificam tanta atenção como os distinguidos pela Academia. Ou até mais, como é o caso de "UM HERÓI", novo retrato imersivo e desafiante do iraniano Asghar Farhadi.
Depois de "Todos Sabem" (2018), rodado fora de portas e com estrelas internacionais no elenco (Penélope Cruz, Javier Bardem), um dos nomes mais respeitados do cinema iraniano actual regressa a casa e assina o seu melhor filme desde o excelente "Uma Separação" (2011).
Co-produção franco-iraniana que arrecadou o Grande Prémio do Júri em Cannes, "UM HERÓI" é um drama que parte de um dispositivo que será familiar para quem acompanha Farhadi pelo menos desde "À Procura de Elly" (2009): uma acumulação de micro-acontecimentos onde cada detalhe conta, conjugada com um novelo de equívocos, segredos e mentiras integrado num olhar sobre a moral que nunca cai no moralismo.
Desta vez, tudo se passa a partir de um recluso em liberdade condicional que encontra uma mala com moedas de ouro que o poderá ajudar a pagar a dívida que o levou a ser preso... mas decide devolvê-la à (alegada) dona. O acto, à partida altruísta, é suficiente para promover este cidadão até aí anónimo a herói local, alavancado pela imprensa, televisão e redes sociais, embora talvez tudo não seja tão simples como os relatos mediáticos garantem.
História de ascensão e queda movida pelo peso da verdade e integridade, "UM HERÓI" é tão imersivo e rocambolesco como o seu autor nos tem habituado, mas beneficia de um argumento mais robusto e de maior agilidade narrativa do que os seus filmes dos últimos anos. E fica como mais um testemunho de um cinema sempre compassivo, capaz de dar as ver as razões de uma rede considerável de personagens sem encaminhar o espectador para um sentido único e determinista.
Se por um lado essas características tornam "UM HERÓI" num objecto perfeitamente coerente nesta filmografia, às vezes também acusam uma familiaridade excessiva nos procedimentos, com um argumento muito bem carpinteirado a revelar-se talvez demasiado programático em algumas sequências.
Mas esta jornada também atinge uma vibração emocional superlativa noutras cenas, amparadas por um elenco uniformemente brilhante (Farhadi nunca desilude como director de actores, diga-se) e à altura das camadas que o olhar do realizador vai desenvolvendo num drama com (inesperados) acessos de farsa.
Esse recurso mais frequente ao humor, a dar conta dos absurdos culturais, jurídicos, burocráticos ou mediáticos, acaba por ser um dos elementos mais distintivos desta nova crónica do iraniano. Outro é a brutalidade com que as crianças são atiradas para uma arena de adultos, experiência aqui ainda mais angustiante devido a uma situação privada que se torna pública.
"UM HERÓI" dá eco a esse dano colateral através do subenredo do filho do protagonista, que se revela a maior vítima de um sistema de verdades tão insistentemente propagadas como rapidamente desmentidas ou corrigidas. No final, talvez nem sobrem heróis, mas pelo menos também não há vilões óbvios num filme avesso a simplismos e categorizações fáceis.
3,5/5