Viagem ao mundo da droga (no Irão)
"A LEI DE TEERÃO" foi um dos grandes êxitos de bilheteira do cinema iraniano dos últimos anos, teve um percurso aplaudido em festivais e chega finalmente ao circuito comercial português. Apesar do atraso (estreou-se em casa em 2019), valeu a pena esperar por este thriller à prova de bala, no qual Saeed Roustayi mede o pulso ao narcotráfico.
Segunda longa-metragem de Saeed Roustayiy, "A LEI DE TEERÃO" sucede a "Life and a Day" (2016), que não passou por salas portuguesas, e ajudou a despertar atenções em torno do jovem realizador que entretanto já assinou "Leila's Brothers", estreado este ano em Cannes. Mas nem é preciso ter visto esses outros dois títulos para juntar o nome do iraniano à lista de cineastas conterrâneos a seguir. Este policial enxuto, justo e realista é mais do que suficiente para dar prova do seu talento e destaca-se como mais um óptimo motivo para continuar a acolher filmes das mesmas origens por cá - e 2022 já registou outras boas surpresas em "Um Herói", de Asghar Farhadi, ou "O Perdão", de Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha.
Descrito por algumas vozes como uma resposta iraniana a "Os Incorruptíveis Contra a Droga" (1971), o filme partilha o método detalhadamente procedural com o clássico de William Friedkin enquanto também mergulha no submundo do narcotráfico de outra grande cidade. Mas é bem mais do que uma derivação de modelos do policial norte-americano, valendo-se da ambiguidade que tem dominado os melhores exemplos seus conterrâneos, geralmente a partir do drama, e de uma abordagem estética que não esconde a experiência documental do seu autor.
Se por um lado "A LEI DE TEERÃO" segue códigos narrativos que facilitam a sua aproximação de um público ocidental - e que também ajudarão a explicar o sucesso dentro de portas -, há muito de singular num thriller que obriga o espectador a reavaliar as suas simpatias pelas personagens, sobretudo ao começar por seguir um agente de uma brigada de narcóticos antes de desviar o protagonismo para o traficante que este persegue.
Propondo um jogo do gato e do rato que vai diluindo o maniqueísmo sugerido ao início, Roustayi concentra-se nas razões, ambições e obsessões dos dois antagonistas, dando bastante mais ênfase aos combates psicológicos do que aos físicos. Não que faltem sequências de acção trepidantes, com o filme a afirmar-se na realização e na montagem - de uma perseguição pelas ruas de Teerão logo ao início à rusga a uma impressionante e degradada zona dominada por toxicodependentes. Mas as disputas verbais são tão ou mais intensas, sublinhando os méritos de Roustayi como argumentista.
Da sucessão de detenções, interrogatórios e cenas de tribunal resulta um retrato crítico do sistema policial, prisional e judicial iraniano, incapaz de fazer frente ao número avassalador de vítimas da droga no Irão (mais de seis milhões e meio, diz uma personagem a certa altura). O filme aponta em especial os absurdos de uma lei onde a pena de morte se impõe como via única, mas não passa ao lado dos abusos da brigada de narcóticos, tornando-se aí um parente próximo de "Tropa de Elite", de José Padilha, ou das séries "Fauda" (Netflix) e "We Own This City" (HBO Max), que também se debruçam sobre a arbitrariedade da autoridade policial.
Ainda assim, todo este edifício formal e narrativamente sólido desmoronaria sem uma direcção de actores à altura. Felizmente, também aí "A LEI DE TEERÃO" é bem sucedido, com duas grandes interpretações no centro de um elenco sem deslizes: Payman Maadi (excelente actor do excelente "Uma Separação", de Asghar Farhadi), na pele do líder da brigada de narcóticos, e Navid Mohammadzadeh, brilhante como barão da droga cuja angústia chega a níveis quase shakesperianos na recta final de uma das melhores estreias do ano.
4/5