Viagem ao mundo da ETA
A fasquia das séries espanholas recentes está mais elevada: "PÁTRIA" é francamente melhor do que muita ficção televisiva conterrânea dos últimos tempos que tem sido um sucesso nos serviços de streaming. E os dois primeiros episódios, já disponíveis na HBO Portugal, prometem mesmo uma das grandes sagas do ano.
Aos primeiros minutos, fica logo claro que "PÁTRIA" está mais interessada no particular do que no universal, ao abordar o conflito que atormentou o País Basco durante mais de cinco décadas a partir do retrato justo e adulto de duas mulheres de meia-idade. É por Bittori e Miren, duas amigas que o destino acabou por colocar em facções opostas, que a série de oito episódios criada pelo basco Aitor Gabilondo (autor de "Príncipe", exibida por cá na RTP2, entre muitas outras) começa por se interessar, expandindo a galeria de personagens através do seu quotidiano numa pequena comunidade da província de Guipúscoa. E aos poucos, a história que adapta o bestseller homónimo de Fernando Aramburu compõe o retrato de duas famílias marcadas e divididas pela ETA, organização encarada por uns como terrorista e por outros como instrumento de revolta e independência.
Mais do que encaminhar o espectador para um dos lados, "PÁTRIA" tenta aproximá-lo das razões de pessoas comuns que se viram envolvidas, quase todas de forma involuntária, em algo muito maior do que elas. O olhar de Gabilondo, que além de showrunner é o argumentista, mostra-se tão compreensivo como assertivo num drama com ingredientes de thriller que recusa apontar bons e maus, ainda que sujeite as personagens ao peso das decisões que tomam - decisões como a de um homicídio a sangue-frio, que abre e fecha o episódio inicial e vai marcar inevitavelmente tudo o que se segue.
A elegância formal do arranque, vincada por um entrosamento de duas linhas temporais com duas décadas de intervalo (inícios dos anos 90 e dos anos 2010), conjugada com uma economia narrativa apreciável (a comprovar no recurso habilidoso a uma emissão televisiva para explicar o que é preciso sobre a ETA sem beliscar o ritmo), dão os alicerces para uma solidez que se mantém no elenco e no tom - o drama rejeita gestos gratuitos, o humor, decisivo, nunca é forçado e tem ligação directa à construção de personagens. E falando em personagens, Bittori e Miren são duas das maiores da televisão deste ano, graças a um argumento que lhes atribiu espessura e ambiguidade (mau feitio incluído) e às interpretações sentidas de Elena Irureta e Ane Gabarain - não desfazendo das restantes, que começam a ganhar maior protagonismo a partir do segundo episódio. Esta, sim, parece ser uma série espanhola a não perder...
Os dois primeiros episódios de "PÁTRIA" estão disponíveis na HBO Portugal, que vai estrear um por semana todos os domingos.