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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

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Viciada no amor

É uma das (boas) novidades da Netflix e das melhores propostas para binge-watching. Em apenas seis episódios, a primeira temporada de "FEEL GOOD" vai do início aos altos e baixos de uma relação, sem abdicar do humor ou da empatia, mesmo que nem sempre faça jus ao título - e ainda bem. 

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Qualquer semelhança com a realidade não será pura coincidência. "FEEL GOOD" tem Mae Martin como co-autora (ao lado de Joe Hampson) e protagonista, na pele de uma personagem chamada Mae, que tal como ela é lésbica, comediante e mantém uma relação complicada com as drogas (depois de um período de dependência de cocaína). Mas esta produção britânica do Channel 4 (distribuída internacionalmente pela Netflix) não pretende ser uma biografia de uma das suas criadoras, por muito que a ficção seja aqui um espelho directo de parte da sua realidade.

A aproximação a alguns capítulos da vida da humorista canadiana talvez ajude a explicar, no entanto, porque é que esta comédia dramática tem alguns momentos especialmente verosímeis, sobretudo depois de um primeiro episódio que pode parecer apressado e até forçado: nesse arranque, a protagonista conhece uma espectadora das suas actuações de stand up comedy, apaixonam-se quase à primeira vista e decidem viver juntas com uma facilidade que só parece mesmo acontecer na ficção.

Mas a aceleração narrativa faz sentido: os autores da série estão mais interessados em acompanhar a fase em que uma relação amorosa se torna estável do que os seus inícios, e o que começa como uma colagem a lugares comuns de histórias feel good acaba por ir ganhando contornos mais turvos. O humor nunca deixa de estar presente, só que vai sendo um escape para a inquietação e angústia que toma conta do casal. E a instabilidade ameaça principalmente Mae, cujo refúgio emocional na sua nova companheira se confunde com um caso de co-dependência, confrontando-a com um passado de vícios e separações.

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Sem fugir a alguns estereótipos de narrativas de superação da dependência - não faltam, por exemplo, as reuniões de grupo semanais com personagens que poderiam ser mais aprofundadas -, "FEEL GOOD" também oferece o antídoto para a rotina dessas histórias através da empatia e perspicácia com que olha para a dupla protagonista. E tanto Mae como George, a sua companheira, têm razões para questionarem a viabilidade da sua relação, seja o histórico de instabilidade da primeira, sejam as dificuldades que a segunda tem em lidar com um relacionamento homossexual (depois de ter mantido relações amorosas apenas com homens e de esconder a nova vida conjugal da família e amigos).

A química entre as actrizes também ajuda. Mae Martin pode estar a interpretar uma versão de si própria, mas é carismática na combinação de neurose, vulnerabilidade e ironia, atirando frases inspiradas (e às vezes hilariantes) nas situações mais despropositadas. Charlotte Ritchie complementa-a entre a doçura, a insegurança e alguma rispidez, destacando-se num elenco coeso que inclui outros desempenhos femininos a reter. Lisa Kudrow, na pele da mãe da protagonista, é de menção obrigatória, sempre de resposta pronta e sem medir as palavras. Ou Sophie Thompson, que encarna a nova e estouvada confidente de Mae, além de segunda mãe possível. Espera-se que a segunda temporada, a confirmar-se (e o final sugere que sim), as traga a todas de volta.

3/5