Vingança sem rosto num clássico com nova cara
Precisávamos de mais uma adaptação de "WATCHMEN"? Depois do filme de Zack Snyder e de um motion comic, que já tinham levado ao grande e pequeno ecrã, respectivamente, o clássico da BD de Alan Moore, Dave Gibbons e John Higgins, a resposta tendia a ser negativa. Mas felizmente a nova série da HBO não se limita a ser mais do mesmo noutro formato.
A proposta de Damon Lindelof (um dos criadores de "Perdidos" e "The Leftovers") opta antes por arriscar uma continuação dos eventos da novela gráfica dos anos 80 e do filme de 2009, com a acção a decorrer 30 anos depois. E o primeiro episódio mostra uma história mais interessada num (intrigante) mundo novo do que no decalque de uma matriz já bem conhecida.
Se nos comics o ambiente de Guerra Fria era indissociável de uma saga que mudaria as regras das aventuras de super-heróis, com uma crueza e niilismo atípicos no género, desta vez são as tensões raciais que dominam os acontecimentos. Ou que funcionam, pelo menos, como alavanca de uma série ambientada em Tulsa, entre os massacres (verídicos) da comunidade negra de 1921 e uma realidade alternativa dos dias de hoje - na qual Robert Redford é o presidente norte-americano (!), a a evolução tecnológica foi bem mais comedida e os polícias são os novos vigilantes mascarados.
Lindelof mantém-se fiel à ambiguidade moral e ao clima de paranóia de Moore mas não teme avançar para o seu próprio território, com uma ousadia que tem faltado a muitas novas versões de sagas icónicas. O que não o impede, ainda assim, de ir deixando várias referências aos eventos e linguagem da novela gráfica, sem que se fique refém delas.
Com a ameaça dos supremacistas brancos a dominar a narrativa, a série não é imune aos avanços da extrema-direita que se têm visto fora do ecrã, e a forma como vai abordá-los ao longo dos nove episódios da primeira temporada pode ser o seu maior trunfo ou o que deitará tudo a perder. Por enquanto, é francamente aliciante, mérito de uma coesão em todas as frentes.
Regina King, na pele de uma mulher que acumula o papel de mãe com o de vigilante, é uma grande escolha para uma protagonista complexa e carismática. Don Johnson, Tim Blake Nelson e um surpreendente Jeremy Irons ajudam a compor um elenco à altura. E Nicole Kassell ("O Condenado", "The Killing"), realizadora do primeiro episódio, sai-se muito bem a desenhar uma identidade visual que, não estando muito longe nem da novela gráfica nem do filme, propõe uma carga de novidade condizente com a premissa da série - e tem olho tanto para os momentos mais intimistas como para as poucas mas certeiras sequências de acção (o tiroteio numa quinta repleta de vacas é qualquer coisa).
Cereja em cima do bolo, a banda sonora de Trent Reznor e Atticus Ross consolida esta dream team improvável, com ecos directos do percurso dos Nine Inch Nails - perfeitamente adequados a uma trama distópica e desnorteante q.b.. Quem vigia os vigilantes? Se o que se segue mantiver este nível, espera-se que muita gente...
"WATCHMEN" estreou a 21 de Outubro na HBO Portugal. Os próximos episódios estreiam às segundas-feiras.