Viram-se gregos para amar
Se as notícias que têm chegado da Grécia estão longe de ser as melhores, dificilmente poderá dizer-se que o seu cinema está em crise (criativa, pelo menos). "7 KINDS OF WRATH" é dos exemplos mais recentes disso mesmo.
Filmes como "Canino" ou "Attenberg", entre outros, têm conquistado públicos fora de portas e somado aplausos nos últimos anos. Ao contrário desses, "Boy Eating the Bird's Food" ou "Xenia" não tiveram direito a estreia comercial por cá, mas ganharam espaço na programação do Queer Lisboa nas edições mais recentes.
Este ano, o Festival Internacional de Cinema Queer apostou, e bem, em "7 KINDS OF WRATH", uma das longas-metragens mais aconselháveis em competição. Se a maioria das obras da cinematografia grega que têm dado que falar é da autoria de novos cineastas, este drama tem a assinatura de um veterano, Christos Voupouras, que se estreou na realização nos anos 80 depois de uma experiência considerável como montador. E essa escola nota-se num quinto filme que, apesar de não dispensar a irreverência e até um gosto pelo absurdo reconhecíveis noutros títulos conterrâneos, traz um olhar mais adulto e vivido, tanto pelas questões levantadas como pela forma como as aborda.
A relação entre um arqueólogo grego na casa dos quarenta e um jovem imigrante egípcio serve de centro narrativo e emocional, e pode funcionar como sinopse mais óbvia, mas está longe de dominar uma obra com outros horizontes, entre uma reflexão sobre a possibilidade do amor, o preço do envelhecimento ou a proximidade da morte e as tensões culturais, sociais ou religiosas em jogo na nova Europa.
Vale a pena salientar que Voupouras não escolhe o caminho mais fácil. O olhar que lança sobre os muçulmanos está a um passo de suscitar acusações de islamofobia, mas admita-se que os ocidentais não ficam muito melhor no retrato e que Husam, o jovem árabe, é mais uma personagem de corpo inteiro do que o arquétipo de um povo (o desempenho de Nikos Gelia, que já tinha sido um dos protagonistas de "Xenia", ajuda muito, ao traduzir bem um misto de obstinação e vulnerabilidade).
Entre uma faceta realista e sequências menos terra-a-terra, com acessos nonsense e simbologia religiosa (ou outras alusões nem sempre facilmente descodificáveis), "7 KINDS OF WRATH" não se agarra a nenhum cânone a não ser ao de uma lógica interna muito própria, que acaba por ir descobrindo o seu caminho - mesmo que por vezes pareça perder-se em tramas ou figuras secundárias, como a de um polícia ou a de um jovem músico que levam a irrisão e alucinação ao limite.
Estas viragens, às vezes repentinas, nem sempre jogam a seu favor, mas também geram boa parte do fascínio deste casamento intrigante de comédia e tragédia (na boa tradição grega, lá está), com alguns momentos de humor cáustico a impedir que a crise de meia-idade do arqueólogo (um meditativo Maximos Moumouris, com pathos à medida da personagem) se deixe levar pelo miserabilismo. O que não quer dizer que seja mais fácil lidar com o desespero surdo do protagonista, eco de uma visão do mundo assombrada pela solidão e falhas de comunicação devidamente cimentada por uma (belíssima) fotografia a preto e branco e enquadramentos de quem tem o olhar treinado. O resultado poderá despertar mais a admiração distanciada do que a rendição incondicional, mas dificilmente alguém sairá ileso de um filme que recusa fechar-se de forma tão cortante.